quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Borges no Cinema Brasileiro, por Carlos Hugo Christensen


Resultado de imagem para carlos hugo christensen



A nossa vida é marcada profundamente por autores e livros ao longo de suas diversas etapas. Uma determinada literatura deslumbra o fim de nossa infância, outra toma conta de nossa adolescência e novas manifestações literárias, com eventuais retornos às anteriores, dominam nossa juventude e maturidade.

No meu caso, só um autor permaneceu sempre perto de mim no longo período da adolescência até os dias atuais: Jorge Luís Borges. Na verdade, até hoje o leio quase diariamente, e quase diariamente descubro novos mundos no seu misterioso e fascinante universo.

Otto Maria Carpeaux qualificou a obra do grande escritor argentino como "fundamental do século XX", acrescentando: "sua influência se confundirá com a de Kafka", omitindo, ao meu ver, uma diferença de enorme importância entre os dois escritores: no universo borgiano, mesmo composto de erudição e metafísica, lateja, no entanto, uma vivência ardente e melancólica. E, talvez, nenhum outro relato prova tão lucidamente esta última afirmação como A Intrusa.

A chance de levar ao cinema essa pequena obra-prima representa para mim o mais precioso presente que recebi em toda minha carreira. Eu namorava este conto há muitos anos. Borges recusava-se a permitir a transposição para o cinema com receio de que se fizesse com ele um filme pornográfico. Quando, finalmente, decidiu-se autorizar sua filmagem, eu tive o privilégio de ser o escolhido, apesar das milionárias propostas de vários produtores estrangeiros para compra dos direitos, muito superior às possibilidades de um produtor brasileiro. Esse fato tornou ainda maior a minha responsabilidade. É com angústia que aguardo a hora de enfrentar o público e a crítica. Espero ter mais sorte que os colegas que me antecederam na temível experiência de filmar Borges. Bernardo Bertolucci fez “Estratégia da Aranha", baseado no conto "Tema do Traidor e do Herói", e o resultado foi negativo. Tentativa frustrada repetiu-se na França e por três vezes na Argentina.

Realizei A Intrusa com toda paixão que sinto pela obra do autor e que conheço profundamente. Aliás, posso não vir a ser um grande intérprete de Borges, mas, tranquilamente, sei que sou um dos maiores conhecedores de sua obra. Não me limitei a narrar com imagens o belo conto, procurei também, sem prejudicar seu ritmo, colocar vários símbolos que marcam constantemente a literatura de Borges.

Tudo fiz, dentro das minhas possibilidades, para que A Intrusa esteja à altura do original. Mesmo porque o próprio autor gosta dessa história. No prólogo de seu livro Nova Antologia Pessoal, Borges escreve: "o tempo, cuja perspicácia crítica tenho ponderado, persiste em recordar dois textos que me desagradam por sua fatuidade laboriosa: Fundação Mítica de Buenos Aires e o Homem da Esquina Rosada. Se aqui os inclui é porque o leitor os espera. Quem sabe que obscura virtude haverá neles? Naturalmente, prefiro ser julgado por Limites, A Intrusa, Golem ou por Junin."


Nenhum comentário:

Postar um comentário