sexta-feira, 9 de novembro de 2018

John Landis sobre Lobisomens

   

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     As regras para os filmes de lobisomem são tão elásticas quanto as dos filmes de vampiro e podem mudar de filme a filme. No livro de Stoker, Drácula pode se transformar num lobo por sua própria vontade, mas Larry Talbot, em The Wolf Man George Waggner, 1941) não pode controlar sua transformação e involuntariamente se torna um lobisomem na noite de lua cheia. Lon Chaney Jr. interpretou o infeliz senhor Talbot em 5 filmes para a Universal, sempre andando em pé com as duas pernas na pele do “homem-lobo”. Em An American Werewolf in London (John Landis, 1981), o lobisomem de David Naughton irrompe na Picadilly Circus nas quatro patas. Em I Was a Teenage Werewolf (Gene Fowler Jr., 1957), o adolescente problemático Tony Rivers (Michael Landon) recebe injeções de "hipnoterapia" e "escopolamina" do louco Dr. Alfred Brandon (Whit Bissell) para trazê-lo de volta a um "estado de pré-evolução". Como isso poderia ser útil ou por que um “estado de pré-evolução” seria o de um lobisomem é algo nunca explicado. De todo modo, Rivers se torna um lobisomem ao som de um sino! Espere um minuto; Rivers se torna um lobisomem quando ele escuta um sino? Mais uma vez, como alguém se torna um lobisomem depende do filme ao qual você está assistindo. Uma maldição cigana, uma mordida de lobisomem, nascer em uma certa data, ou até mesmo ser a prole de um estupro pode fazer de você um lobisomem. Por todos esses motivos, o antigo poema soa verdadeiro:


Mesmo um homem de puro coração

Que à noite diz sua prece

Pode se tornar um lobo ao florescer o acônito e quando o brilho da lua aparece.


     Na verdade o “antigo poema” foi escrito em Hollywood, em 1941, no roteiro de Curt Siodmak para The Wolf Man, da Universal. E é assim que nascem as velhas lendas.



(John Landis em Monsters in the Movies, 2011)

O Gênio Americano: Blake Edwards, por Paul Vecchialli



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     Em cinco letras podemos sobrevoar a obra deste cineasta superdotado e subestimado. Cinco letras: uma vez D (Delírio) e quatro vezes P: Profusão, Profissionalismo, Paixão, Pertinência.

  PROFUSÃO de personagens, de papéis de apoio, de figurantes. PROFUSÃO das gags. PROFUSÃO dos “acidentes”. Como se o western (ele inclusive fez um sublime, Wild Rovers, 1971) visitasse o desenho animado. Mas quando falamos de influências, eu não concordo totalmente... Blake Edwards presta homenagem não apenas aos desenhos animados, mas também a todo o cinema. 

  PROFISSIONALISMO. Se ele favorece tomadas longas com arquiteturas complexas, mas funcionais, ordenadas através de uma infinidade de personagens, no meio da qual somem os protagonistas, que às vezes reivindicam o papel de "estrela" pulando para escapar da massa, ele não elimina nenhum dos meios de cinema: campo/contracampo; câmera lenta; a montagem sincopada; as pausas nas quais Peter Sellers encontra a sua ração, como uma personagem de palhaço lunar, um pouco como Buster Keaton; a elipse finalmente, onde ele se destaca na mesma direção de Lubitsch. (Ver o final da cena do restaurante, hilariante, de Victor Victoria).

     PAIXÃO. É óbvio que Edwards é um cinéfilo exigente. Que o cinema é a parte mais importante de sua vida. Além de Keaton e Lubitsch, já mencionados, ele às vezes presta homenagens a Ford, Cukor, Hawks... Homenagens elegantes, fervorosas. 

    PERTINÊNCIA. Nunca nenhum julgamento moral. Nem das situações. Nem das personagens. Nem dos eventos. Uma dialética explodida engendra uma amoralidade absoluta e regozijante. E quando a caricatura aparece, em breves instantes, atingindo todas as classes, nunca é mais do que uma homenagem aos slapsticks.

      DELÍRIO. Evidentemente não é o cineasta da moderação (exceção notável e arrebatadora: Days of Wine and Roses, 1962). As janelas só estão lá para serem quebradas. As paredes, para serem derrubadas. As personagens, para serem espancadas. Cada gag é levada ao extremo, talvez, para deixá-lo sem fôlego e destruí-lo também após ter exprimido o suco.

      Mais elegante do que Stanley Donen, quando este chega a ser elegante. Mais direto e virulento do que Howard Hawks quando se trata da confusão dos sexos. Mais eficiente do que Richard Quine (a quem serviu por muito tempo como roteirista). Mais sutil do que George Cukor (exceto pela joia que é Travels with My Aunt, 1972). Um cineasta de sucessos e fracassos, autor completo e produtor de seus filmes, Blake Edwards permanece um dos mais incompreendidos por sua situação ambígua face ao sistema hollywoodiano. 

      Como se esse sistema temesse ser queimado pelo seu anticonformismo, violento e premeditado. Ele seria perdoado, sem dúvida, por causa do seu talento. Mas a insolência, a provocação, a demolição dos preconceitos são “atravessadas” por deslumbrantes e inesperados momentos de ternura, varridos, por sua vez, por cativantes passes de mágica. 

        E aqui chegamos ao seu verdadeiro estatuto: Blake Edwards é um mágico.  

        Finalmente, devemos um enorme respeito a este autor de filmes (porque ele é um), que foi capaz de realizar filmes tão diferentes e, no entanto, tão bem sucedidos como são Breakfest At Tiffany, Days of Wine and Roses, Wild Rovers, What Did You Do in the War, Daddy?, The Corey Treatment, S.O.B. (onde ele atinge picos de delírio), The Party (o mais conhecido de todos), Switch, a inenarrável obra-prima Victor Victoria e, finalmente, A Shot in the Dark, cujo primeiro plano, de tirar o fôlego de tão magistral e cômico, é um verdadeiro plano-sequência, ao contrário, por exemplo, daquele de Touch of Evil de Orson Welles, cuja lenda é usurpada: há, nesse falso plano-sequência, um plano de corte para o carro explodindo. Difícil desmascarar os erros “históricos”! 

       Em Blake Edwards, a questão da “usurpação” jamais se coloca: sob o manto da desordem, trata-se de um dos mais honestos artesãos do cinema hollywoodiano. 



        (Paul Vecchialli; artigo originalmente publicado na revista La Furia Umana, n. 7, e disponível no site do periódico; tradução: Bruno Andrade e Yuri Ramos)