sábado, 14 de julho de 2018

Solidão (1928), por Jacques Lourcelles



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                                                              Solidão (Lonesome)


1929 - EUA (Versão muda com cenas faladas sem o som: 87') • Prod.: Universal (Carl Laemmle) • Dir.: PAUL FEJOS (Pál Fejös) • Rot.: Edward T. Lowe, Jr., a partir de uma história de Mann Page • Fot.:. Gilbert Warrenton • Com Barbara Kent (Mary), Glenn Tryon (Jim), Fay Holdemess (a mulher elegante), Gustave Parthos (o rapaz romântico), Eddie Phillips (o esportista) Fred Esmelton.


          Nova Iorque, manhã de um dia quente de julho. Uma garota, Mary Dale, que vive só, se arruma com pressa e sai correndo de seu apartamento. Um rapaz, Jim Parson, vê que não ouviu seu despertador. Ele toma banho e faz sua ginástica a toda velocidade. Jim e Mary tomam, sem se conhecerem, o café no mesmo bar. Jim se engolfa no metrô lotado. Em seu vagão, um homem pequeno, pendurado pelas duas mãos com uma alça de suporte, parece suspenso acima do solo. Mary é uma telefonista de escritório. Jim é um operário de fábrica. No final do dia de trabalho, Mary e Jim deixam seus respectivos colegas e voltam para casa. É a onda de calor. Jim escuta um disco e, de sua janela, vê um caminhão publicitário na rua elogiando os prazeres de Coney Island. No quarto de Mary, só habitam o tédio e o cansaço. Ela folheia um jornal. O caminhão que viaja pelas ruas também atrai sua atenção. Ela decide colocar um vestido novo. Por sua vez, Jim faz a barba e se veste. Eles vão para Coney Island no mesmo ônibus e é aí que Jim percebe Mary pela primeira vez. Ele a segue até o local do parque de diversões. Ela faz graça e o atrai ao correr junto com a multidão. Ele a segue. Ambos, em roupas de banho, vão para a praia. Pela primeira vez, os dois se falam. No começo ele finge ser um homem do mundo e então confessa ser um simples trabalhador. Eles procuram pelo anel - uma aliança - que ela perdeu na areia. Um garoto a encontra e Jim fica feliz em saber que a aliança não é de Mary, mas de sua mãe. A noite caiu no parque de diversões. Na praia deserta, Jim e Mary parecem estar sozinhos no mundo. Eles se juntam à multidão e percorrem, uma a uma, todas as atrações (assiette de beurre[1], os espelhos deformados, o tiro ao alvo, a cartomante, etc.). A conversa se torna mais e mais íntima, mas Jim se sente envergonhado quando se trata de falar de amor. Eles decidem ir na montanha-russa e ficam em vagões separados. Jim de repente vê que o de Mary está pegando fogo. Ela desaparece. O trem para. As pessoas vão ao socorro de Mary. Jim tem uma briga com um policial que quer impedi-lo de se aproximar. Ele vai para a delegacia e terá que contar sua história ao comissário antes de ser liberado. Ele retorna para Coney Island. Mary está procurando por ele. Muitas vezes eles passam longe um do outro sem se verem. Um tempestade começa. Todos os clientes fogem do local. Mary e Jim voltam para casa separadamente. Mary chora. Jim ouve um disco. Mary bate na parede por causa do barulho alto. Jim corre para esse vizinho desagradável e... descobre que é Mary. Eles caem nos braços um do outro.

          Esta é a primeira e mais famosa das histórias simples de Pál Fejös. No espaço de um dia, dois jovens solitários se encontram, se dão a conhecer, se perdem de vista e, depois, com a mais miraculosa (ou a mais banal) das sortes, reencontram-se: eram vizinhos. Fejös segue seus dois personagens, emoldurados nos quadros de suas vidas quotidianas, sem desviar um passo. Inventa assim, sem saber, e como se estivesse brincando consigo mesmo, o neorrealismo - bem antes de Matarazzo, Renoir, Pagnol, Shimizu e os outros precursores do movimento. Seu olhar é atento, documental e terno: a ternura está nele como que imbricada na atenção e não pode ser desprendida dela. Ao contrário dos personagens do neorrealismo, Mary e Jim não sofrem os efeitos de uma situação histórica particularmente difícil. Não pesa sobre eles qualquer maldição social particular, senão aquela de serem indivíduos afogados na massa, com a dificuldade de comunicação que trazem os seres mais sensíveis e frágeis. Essa dificuldade, Fejös, futuro etnólogo, descreverá aqui, sem pathos, como o verdadeiro mal do século. Seu olhar também é extremamente penetrante, embora nunca complacente, quando mostra a intimidade dos personagens e os gestos ridículos e significativos que se faz quando se está sozinho, fora da vista dos outros. No plano formal, a originalidade do filme situa-se na bem-sucedida combinação entre a extrema simplicidade da trama e a inteligente complexidade dos processos utilizados para tecê-la (superposições, split screen, panorâmicas óticas para mudar de um décor a outro, etc.). A variedade e a eficácia destes procedimentos são o produto do estado do cinema da época (a saber, a extrema sofisticação técnica deste fim da era muda) e da personalidade dos Fejös: um pintor da vida cotidiana dotado de humildade e virtuosismo extraordinários. Podemos questionar as razões que permitiram a Fejös entender seus personagens tão bem. Sua sensibilidade aguda, sua curiosidade incansável (ver o progresso subsequente de sua carreira no cinema e fora dele) permitiu-lhe compreender todos os tipos de pessoas em todos os tipos de países. A esses dois elementos, pode-se acrescentar um terceiro: o fato de Fejös ser basicamente muito parecido com os personagens de seu filme. O ritmo, os valores predominantes da vida americana não foram feitos para ele - muito menos provavelmente para seus personagens. Apesar da liberdade que desfrutava na Universal (escolha de assunto, orçamento confortável, supervisão de edição), Fejös nunca se sentiu completamente em casa em Hollywood e sua carreira lá era ao mesmo tempo deslumbrante e frustrante.

        Nota: o filme existe em três versões. Versão silenciosa, sem as sequências faladas. Versão sonora, tingida e até colorida (nas sequências noturnas) com três sequências de fala: o diálogo entre os dois heróis na praia do dia; depois, à noite; a explicação de Jim na delegacia. A primeira dessas sequências é simplesmente sublime porque dá ao espectador a impressão de que próprio cinema sonoro surge diante dele, de modo que os dois personagens, que nunca o fizeram, possam finalmente conversar entre si. Uma terceira versão contém todas as sequências da primeira e da segunda, mas mudas. É a mais difundida.


(Jacques Lourcelles, em Dictionnaire du Cinéma – Les Films; Paris: Éditions Robert Laffont, S.A.; 1992; p. 1382-1383; Tradução: Yuri Ramos)


[1] Uma espécie de carrossel

Pál Fejös, por Ferenc Farkas




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Ferenc Farkas (ao piano) e Pál Fejös


     Quando voltei de Roma a Budapeste em 1932, apesar dos meus diplomas, só consegui tocar em orquestras de teatro e de cinema.

     Foi então que conheci o diretor de cinema Pál Fejős, que foi capaz de acolher o jovem iniciante que era e me propor a composição da música para seus filmes. É por isso que o acompanhei aos estúdios de Viena e Copenhague. Nós trabalhamos muitos anos juntos. Os múltiplos problemas da música cinematográfica me deram habilidades técnicas e conhecimento.

     Muito tempo depois, após muitos anos sem que nos víssemos, eu o visitei na Áustria. Alguns dias depois, ouvi com tristeza que ele havia morrido. Em memória dele, compus, em 1965, "Planctus et Consolationes". Os oito movimentos deste trabalho são como relâmpagos que se entrelaçam, ilustrando a consternação, a batida escura de uma marcha fúnebre, a luz agora velada de uma época passada, as tentativas frustradas de se rebelar contra a morte, a consolação e a submissão ao destino.

     Para compor, em sua memória, me inspirei num tema que era amado por Pál Fejös, “Fontane di Roma”, de Respighi (meu venerado mestre). 


(Ferenc Farkas sobre Planctus et Consolationes; publicado originalmente em: http://www.ferencfarkas.org/Planctus-et-consolationes.phtml; Tradução: Yuri Ramos)

Pál Fejös, por Jean Tulard




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        Trazido ao cinema pela cenografia operística, Fejös começa muito cedo a rodar filmes que o deixam insatisfeito e que desaprovará. Parte aos Estados Unidos em 1923, se fazendo notar por Spitz, e depois por Chaplin, que louva Last Moment. A Universal o contrata para Lonesome. A história faz sensação por sua simplicidade: dois jovens de encontram num parque de diversões. Amor à primeira vista. A multidão os separa. Desespero. Mas eles moravam em quartos vizinhos no mesmo prédio. A alegria do reencontro! Outros sucessos: Cena Final, com Conrad Veidt e Broadway, brilhantes evocações do mundo do music-hall. Ele passa à MGM, onde realiza as versões francesa e alemã do famoso Big House, sobre o mundo das prisões. Braunberger o chama, estando na França. O início de Fantômas, deslumbrante, é fiel à famosa série de Souvestre e Allain, mas depois o enredo se descarrilha. A partir daí, a carreira de Fejös se divide entre a França, a Áustria e a Hungria. Podemos recordar o emocionante Lenda de Amor e o fortemente cativante e otimista Gardez le Sourire. Fejös se consagra, a partir de 1936, ao documentário. Ele realiza para a Nordisk Film Kompagni filmes sobre Madagascar. Ele então vai para as Índias Orientais e Sião. E traz de volta novos documentários. Então, encontra seu próprio caminho: a antropologia. Ele ensina em diversas universidades americanas e se torna membro da Academia de Ciências de Nova Iorque. Mas os cinéfilos não esquecerão a Solidão e a Lenda, "essas obras cuja doçura e cujo mistério", lembra Jacques Lourcelles, "vêm do fato de sempre contar histórias um pouco mais simples que a média dos filmes".



(Jean Tulard, em Dictionnaire du Cinéma – Les Réalisateurs – 1895 – 1995; Paris: Éditions Robert Laffont, S.A.; 1995; p. 301-302; Tradução: Yuri Ramos)

As viagens de Pál Fejös, por Graham Petrie



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         O filme de Pál Fejös, Solidão, de 1928, é atualmente considerado um dos auges do cinema mudo americano, e até mesmo internacional, sendo comparável a obras-primas como Aurora (1927) de F.W. Murnau e A Turba (1928) de King Vidor. No entanto, foi apenas recentemente que chegou a adquirir reconhecimento semelhante ao desses filmes. O próprio Fejös, apesar de ter sido anunciado pela revista Close-Up, em 1928, como um iniciante no mesmo nível de Ernst Lubitsch, Murnau, Paul Leni e Henry King, ficou praticamente esquecido depois que deixou a América em 1931, tendo sobrevivido apenas três anos lá como diretor. Inicialmente, Solidão recebeu críticas favoráveis, mas foi pego na transição caótica dos filmes mudos para os sonoros nos anos finais da década de 1920, e foi pouco visto ou mencionado por quase o próximo meio século, até as redescobertas e restaurações, a partir da década de 1980, retornando assim ao seu esplendor original, para que o público pudesse se maravilhar novamente.

         Solidão foi o segundo longa-metragem americano de Fejös, nascido na Hungria, depois do independente The Last Moment (1927) – agora um filme “perdido”, infelizmente - e é geralmente considerado sua melhor obra (embora a redescoberta do filme anterior certamente pudesse ser uma grande contribuição para a história do cinema), uma maravilha técnica e imaginativa que exibe trabalho de câmera inovador e virtuosístico e revela uma incomum simpatia e compreensão pelos personagens comuns da classe trabalhadora: dois moradores da cidade (interpretados por Glenn Tryon e Barbara Kent), que se encontram, começam a se apaixonar e são separados pelas multidões que se espalham pelo filme. Solidão lançou a curta temporada de Fejös na Universal, que resultou em mais dois filmes de considerável interesse e inovação técnica e experimentação, The Last Performance e Broadway (ambos de 1929). Mas os projetos subsequentes levaram à decepção e à desilusão com o sistema, e seus anos de Hollywood logo chegaram ao fim.

         Seus filmes americanos, no entanto, são apenas parte de uma carreira extraordinariamente variada que também incluiu filmes em sua Hungria natal, na Áustria, em França e na Dinamarca, além de documentários antropológicos na Tailândia, em Madagascar, na América do Sul e em várias ilhas do Pacífico Sul. Sua biografia padrão até hoje, de autoria de seu amigo John W. Dodds, corretamente atribui a ele várias "vidas", todas elas importantes e altamente bem-sucedidas, e todas marcadas por instintos profundamente humanitários. Ele é conhecido por ter mantido uma independência feroz ao longo de suas muitas buscas, uma atitude que muitas vezes o colocou em conflito com os produtores e resultou em batalhas que ele às vezes venceria e, particularmente em Hollywood, às vezes perderia. Certos aspectos de sua vida ainda são um mistério, e o crítico francês Philippe Haudiquet se referiu a ele como um “mythomane” (fantasista) encantador que contou diferentes versões de sua biografia a pessoas diferentes em épocas diferentes - talvez para sua própria diversão, em vez de qualquer tentativa deliberada de enganar. Mas já se sabe o suficiente sobre esse homem notável e multifacetado para seguir os vários caminhos de sua vida com certa precisão.

           Nascido Fejös Pál (em ordem húngara de sobrenome primeiro) em Budapeste, no ano de 1897, de pais da aristocracia austro-húngara, ele desenvolveu um interesse precoce em medicina e obteve um diploma nesta área, talvez na Hungria, ou talvez mais tarde, nos Estados Unidos (as fontes variam sobre isso). Mas também era fascinado por teatro e cinema, e dirigiu seis ou sete filmes entre 1920 e 1923 (todos agora considerados perdidos), assim como peças e óperas. Ele também sempre foi fascinado pela América e partiu para os Estados Unidos em 1923, chegando em outubro. Sem nenhum contato real e contando apenas com um conhecimento mínimo de inglês, Pál viveu em Nova York em pobreza aguda por algum tempo, até que seu histórico médico o levou a trabalhar no Instituto Rockefeller (críticos de seus filmes americanos frequentemente o chamava de Dr. Fejös). Mas ele estava determinado a entrar no cinema e assim, partiu para Los Angeles, em 1926. Lá, depois de obter trabalho esporádico como roteirista e produtor de teatro, de alguma forma Pál se encontrou com um jovem rico chamado Edward M. Spitz, que possuía cinco mil dólares, os quais ele queria desesperadamente investir em um filme, e por isso, estava procurando por um roteiro e por um diretor. (Por mais improvável que essa história pareça, ela parece ser exata e foi totalmente aceita pelos críticos iniciais do filme).

          Exercitando seu charme considerável, Fejös conseguiu persuadir Georgia Hale, recém-saída de sua atuação em The Gold Rush de Charlie Chaplin, a trabalhar para ele por nada, e então, alugou o espaço do estúdio de hora em hora, fazendo uso de qualquer coisa que estivesse preparada para outros filmes que estavam sendo filmados na época; obteve estoque de filmes brutos a crédito; e contratou um jovem cinegrafista, Leon Shamroy (que ganharia quatro Oscars por sua fotografia nos anos posteriores). Ele escreveu um roteiro que lhe permitiu manipular esses vários ingredientes com sucesso e fez The Last Moment (1927), após o qual convidou dois críticos proeminentes, Welford Beaton, do Film Spectator, e Tamar Lane, do Film Mercury, para uma prévia particular. Ambos imediatamente saíram e escreveram resenhas elogiosas, com Beaton encabeçando a sua com o título “Apresentando a Você o Sr. Paul Fejös, Gênio”. Beaton então providenciou para que Chaplin tivesse uma sessão privada do filme, e Fejös, incapaz, por sua própria conta, de pagar um táxi, levou seis latas pesadas de filme de 35 mm a pé para a casa de Chaplin em Beverly Hills, deixando-as aos cuidados de um mordomo desnorteado. Depois de ver o filme, Chaplin concordou com Beaton e a United Artists decidiu lançá-lo.

        A julgar pelas descrições do filme que sobreviveram, foi muitos anos à frente de seu tempo e estruturalmente próximo ao Eu te Amo, Eu te Amo, de Alain Resnais, de 1968, retratando os últimos segundos da vida de um homem que se afoga; como em fragmentos, cenas de seu passado brilham diante dele em ordem não-cronológica. Ele foi favoravelmente criticado pelo New York Times e por outros (a Variety chamou de "interessante, esquisito e ligeiramente mórbido", mas com possibilidades comerciais), e apareceu na lista de muitos críticos dos dez melhores filmes do ano. Os anúncios brilhantes trouxeram ofertas a Fejös da maioria dos grandes estúdios, mas foram subsequentemente dissuadidos por sua insistência em manter o controle artístico completo. Carl Laemmle Jr., no entanto, filho do chefe da Universal Studios, que havia sido conquistado pelo filme, convenceu seu pai a deixar Fejös fazer algo em seus próprios termos. Rejeitando todos os roteiros oferecidos a ele, Fejös escolheu um esboço de três páginas que o estúdio comprou por vinte e cinco dólares e anunciou que queria filmar isso. O resultado foi Solidão, originalmente totalmente silencioso, mas pouco depois lançado como “part-talkie”, como aconteceu também com vários outros filmes desse período de transição.

      Embora Fejös permanecesse tecnicamente inovador e imaginativo nos filmes que se seguiram, Solidão marcou o ponto alto de sua liberdade criativa em Hollywood. Ele foi seguido pelo mudo The Last Performance (também conhecido como Erik, o Grande), uma tarefa que ele mais tarde disse que aceitou apenas porque lhe deu a oportunidade de trabalhar com o ator Conrad Veidt, como um mágico e hipnotizador que emprega suas habilidades numa tentativa de ganhar as afeições de seu jovem assistente. Iluminação, sombras, close-ups, superposições, flashbacks, elaborados movimentos de câmera e o mínimo de intertítulos são usados ​​para guiar o espectador através de uma intrincada narrativa, embora o filme seja talvez mais interessante como um exemplo de quão eficientemente as técnicas do cinema mudo poderiam ser empregadas para retratar emoções e relações complexas do que por seu enredo um tanto melodramático. Ainda sob o patrocínio de seu amigo Laemmle Jr., ele foi designado para a superprodução imensamente cara do musical Broadway, que foi filmado tanto como um filme silencioso quanto sonoro. Grande parte do orçamento do musical foi para a construção de uma boate espetacularmente elaborada e, com a colaboração completa de seu cinegrafista, Hal Mohr, para a invenção e para o uso espetacular de um enorme guindaste de câmera que rondava e mergulhava sobre o set para um efeito criativo surpreendente. Numa época em que a tecnologia nascente de gravação de som estava inibindo o movimento de câmera expansivo que havia marcado os melhores filmes mudos, Fejös merece tanto crédito quanto Lubitsch e Rouben Mamoulian por ajudar a libertar a câmera.

     O filme foi um sucesso comercial e crítico, mas Fejös estava insatisfeito com as restrições impostas a ele por uma produção tão grande e encontrou um argumento sobre um dançarino supostamente pequeno (Glenn Tryon) que sonhava em chegar ao topo (apesar de já estar trabalhando numa enorme boate). Sua insatisfação continua na sua próxima missão, um drama histórico, Captain of the Guard (1930), no qual ele se feriu (possivelmente de modo deliberado) em um estágio inicial de filmagem e teve que ser substituído. Ele tinha grandes esperanças de poder dirigir Nada de Novo no Front, mas este foi designado a Lewis Milestone, e Fejös recebeu para si King of Jazz (1930), um tributo a Paul Whiteman. Embora ele pareça ter trabalhado no filme, este é creditado oficialmente a John Murray Anderson. Finalmente, ele quebrou seu contrato com a Universal e ficou na lista negra por um tempo. Foi então contratado pela MGM para dirigir uma das tentativas de curta duração de produzir versões "internacionais" de filmes sonoros, fazendo versões em francês, alemão e outras, usando os mesmos sets, movimentos de câmera e ação para cada um, simplesmente substituindo os atores americanos com outros de nacionalidade apropriada. Fejös dirigiu as versões francesa e alemã de The Big House, com alguns críticos preferindo essas à original americana, dirigido por George Hill.

       Porém, Fejös se cansou de Hollywood e decidiu abruptamente retornar à Europa em 1931. "Achei Hollywood falsa", disse ele a John W. Dodds mais tarde. “Eu achei tudo artificial. Achei as pessoas impossíveis... escritores - os chamados escritores - totalmente sem inteligência, totalmente ignorantes, ‘stupid hacks’”. Ele foi primeiro para a França, onde dirigiu uma versão em longa-metragem da série silenciosa Fantômas em 1932, e depois voltou para a Hungria, levando consigo a bela e altamente popular estrela francesa Annabella. Lá, com a liberdade artística recuperada, ele fez dois filmes impressionantes: Lenda de Amor (1932) com Annabella estrelando como uma garota inocente que é seduzida e abandonada pelo filho de seu empregador e que, então, grávida, é expulsa por aldeões hipócritas de sua vila; e o recentemente redescoberto Tempestade em Balaton (1933), centrado em dois amantes separados pelo casamento forçado da mulher, imposto a ela por seu pai rico. O tratamento simpático, humano e sem julgamentos de ambos os filmes em relação ao comportamento "imoral" e seu ataque à vida e aos valores de mente-pequena e reacionários dos vilarejos despertaram grande indignação na Hungria, e Fejös iniciou suas viagens novamente, desta vez para a Áustria, onde fez dois filmes, um dos quais, Sonnenstrahl (também conhecido como Ray of Sunshine, 1933), novamente estrelado por Annabella, tem fortes afinidades com Solidão em sua representação de um jovem casal lutando para sobreviver em uma situação de desemprego e exploração.

          Fejös foi então abordado pela Nordisk Film na Dinamarca, que estava ansiosa para elevar o prestígio dos filmes dinamarqueses no exterior e achou que um diretor com experiência em Hollywood poderia ajudar. Ele se mudou para a Dinamarca em 1934 e fez três filmes para a companhia, o melhor deles, e seu favorito, sendo The Golden Smile (1935), no qual uma grande atriz descobre que levou sua atuação tão a fundo em sua vida que não é mais capaz de ser sincera. Nenhum deles, porém, foi um grande sucesso crítico ou popular, e agora Fejös estava começando a se cansar de tentar agradar aos produtores que raramente entendiam ou aceitavam sua visão. Mas a Nordisk se recusou a libertá-lo de seu contrato. Então, no que desencadeou mais uma mudança abrupta de carreira, ele anunciou que faria outro filme só se pudesse filmar em Madagascar (lugar que ele aparentemente selecionou aleatoriamente em um mapa de parede e achou que seria interessante de visitar). Para sua surpresa, o estúdio concordou, e produziu lá o primeiro de vários estudos etnográficos que o ocuparam exclusivamente até 1941 e que acabaram sendo financiados pelo Swedish Film Institute. Eles foram filmados de forma variada na Ásia, na África e na América do Sul, e neles Fejös mostra o maior respeito e simpatia pelos povos nativos que ele fotografa e por seus respectivos modos de vida, recusando-se a explorá-los ou manipulá-los de qualquer maneira. A única exceção ao seu processo de simplesmente registrar aspectos de sua vida diária, cerimônias e rituais foi A Handful of Rice (1940), filmado na Tailândia, que combinou elementos documentais e narrativos, acompanhando um jovem casal no primeiro ano de casamento e em suas dificuldades e até mesmo desastres que encontram na tentativa de ganhar a vida, sobrevivendo através de uma mistura precária de sorte e esforço, muitas vezes ingrata (um tema familiar a Solidão e Sonnenstrahl). O filme foi mais tarde lançado pela RKO, sob o título The Jungle of Chang, mas, significativamente, não contava com o prólogo, que mostra um casal bem-sucedido na Suécia jogando fora como sinal de desperdício o "punhado de arroz" que representa a luta dura do casal para cultivá-lo no ano e, por omitir isso, ignora o tema central do melhor trabalho de Fejös: que todos mereçam a oportunidade de ter sucesso na vida e serem felizes e que é uma ofensa à dignidade humana negar ou frustrar isso.

    Em 1941 o trabalho antropológico de Fejös lhe rendeu um convite para se tornar diretor de pesquisa do recém-criado Viking Fund em Nova Iorque – mais tarde chamado de Fundação Wenner-Gren –, onde ele acabou se tornando presidente e é tido como uma grande influência no desenvolvimento e na direção da pesquisa antropológica na América e em outros lugares. Morreu em 1963, encerrando a última de suas várias vidas - todas marcadas por grandeza e compaixão, incluindo um pequeno, mas rico, legado de filmes importantes que estão finalmente ganhando o reconhecimento que merecem.




(Publicado originalmente em: https://www.criterion.com/current/posts/2437-the-travels-of-paul-fejos; Tradução: Beatriz Saar e Yuri Ramos)

terça-feira, 10 de julho de 2018

Tapan Sinha merece mais: entrevista de Amitava Nag com Abesh Das




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Amitava Nag: O que te levou a escrever um livro sobre Tapan Sinha?
Abesh Das: Eu sempre percebi Tapan Sinha como um grande pioneiro do cinema “middle-of-the-road” indiano. Há tempos atrás, no começo ou em meados da década de cinquenta, quando estudar cinema era um luxo no nosso país, Sinha pensou em uma forma cinematográfica específica que servisse simultaneamente à busca comercial, bem como aos critérios da arte pura. Nesnhum outro diretor do “mainstream” estava interessado em dirigir filmes como Aarohi ou Wheel Chair. Nós muitas vezes falamos sobre o famoso trio Ray-Ghatak-Sen. Mas eu prefiro concluir que, na verdade, havia aí um quarteto intelectual, incluindo Sinha. Se o critério de popularidade fosse suficiente para excluir uma criação como pura arte, deveríamos, antes de tudo, descartar Chaplin. E é por isso que a tarefa de Sinha foi mais difícil do que a de qualquer Ray, Ghatak ou Sen. Eu escrevo isso em meu livro. Em Haate Bazarey ele retrata uma cena de dança com Vaijayanthimala, que era estrela de Bombaim na época. Sem dúvida que isto era um golpe comercial. Ironicamente, a cena nunca pareceu fora de lugar. Pouquíssimos artistas podem tornar tais componentes populares latentes na realidade formal de sua arte. É trágico que apenas alguns artigos críticos tenham sido escritos sobre ele. Eu senti que muito mais esferas de suas contribuições ainda estão por ser descobertas, o que me levou a abordar este tópico para o meu livro.

Amitava: Em que aspectos você pensa que ele é único?
Abesh: Para minha pesquisa, quando comecei a ler textos, principalmente seus esboços autobiográficos, vários escritos e entrevistas, descobri um ponto vital. Foi a sua percepção do cinema como uma arte composta. Talvez nenhum além dele fosse tão admirador dos técnicos e de suas contribuições para este ambiente de composição. Em nosso país, a maioria dos diretores considera atores ou técnicos como cidadãos de segunda ou terceira classe. Certamente Ray era um homem com essa mesma percepção completa. No entanto, além dele, entre os diretores de seu tempo, provavelmente foi apenas Tapan Sinha que teve um profundo senso técnico, não só devido ao seu aprendizado nos famosos New Theatres, mas também por causa de sua formação acadêmica. Esse senso técnico, acompanhado de seu dom para com a música e a literatura, sempre dotou suas obras de uma qualidade única.

Amitava: Em seu livro, você prestigiou a visão de Sinha sobre a juventude. O quanto ela é diferente das visões de Styajit Ray ou Ritwik Ghatak?
Abesh: Ritwik Ghatak sempre manteve uma forma particular de ver o mundo a sua volta. Sua visão profunda, neste sentido, fez dele um marco. Não tenho certeza se há muitas diverenças ou não. Pelo contrário, acho que há uma forte semelhança entre os insights de Ray e Sinha. Tanto em Pratidwandwi quanto em Ekhoni pode-se sentir a solidão da juventude contemporânea. Como Ray era um homem com uma visão diferente, alguns truques artísticos magistrais, ainda, estavam lá, por sobre a juventude inquieta. Por outro lado, se você se atenta à juventude de Sinha, respectivamente em Apanjan, Ekhoni, Raja, Atanka e Antardhan, verá uma realidade radicalizada. Embora em Apanjan o antigo encanto da doçura poética, que era uma marca registrada de Sinha até Haate Bazary, muitas vezes fosse atrativo. Mas isso é outro assunto. Em uma cena de entrevista em Pratidwandwi, o protagonista Siddhartha é questionado se era comunista ou não. Obviamente, a juventude de Ray foi afetada por ondas políticas contemporâneas. Mas a sua retratação foi moderada. A câmera estava se movendo tão rápido no anticlímax de Pratidwandwi que era impossível ler o grafite presente lá. Isso foi o Ray dos primórdios. Em contraste, a retratação de Sinha foi muito mais direta. Grupos políticos eram facilmente reconhecíveis entre os muros da cidade, em Atanka. A interferência insana da política caquistocrática na juventude foi muito mais direta, muito mais traumática em Atanka ou em Apanjan.

Amitava: No livro, você mencionou a posição política de Sinha, que é humanista e não necessariamente marxista. Você passou a afirmar que se, como público, vemos seus filmes através de um prisma marxista, provavelmente perderemos o que é o coração do seu cinema. Você pode, por favor, explicar isso?
Abesh: A postura de Sinha nunca foi marxista. Embora isso não signifique que ele era como os nacionalistas de hoje. Em uma entrevista datada de 2004, o próprio Sinha esclareceu muito sobre isso. Eu citei as partes específicas no meu livro. Ele descreveu detalhadamente como o estrangulamento era o que estava em voga na produção cinematográfica da URSS autoritária. Depois de três vezes censurar um roteiro, os representantes do estado ainda estavam lá para supervisionar as filmagens.
Não estou interessado em debates políticos. Mas, depois de um certo período, toda a situação na Bengala pós-independência sofreu tal reviravolta onde, sem uma atitude laudatória [por parte dos cineastas], em torno dos políticos, muitos dos seus caminhos seriam bloqueados. Você nunca seria discutido. Seu nome não seria mais indicado. Se fizermos uma retrospectiva cuidadosa hoje, será evidente que, até certo momento, Sinha estava no centro das atenções. O Dr. Bidhan Chandra Roy elogiou abertamente dois jovens, Ray e Sinha, pelos seus filmes aclamados internacionalmente, Pather Panchali e Kabuliwala. Hasuli Baker Upakatha foi premiado em São Francisco. Mas o que aconteceu depois disso? Eu acho que, porque seus filmes eram tão diretos, ele teve que experimentar uma retaliação.

Amitava: Rabindranath[1] é um nome central para o cinema bengalês - não apenas por sua música, mas também produziram filmes baseados em suas histórias. Tapan Sinha não é exceção. Qual sua visão sobre isto?
Abesh: Aparentemente você pode dizer isso. Mas se considerarmos os anos 50, Tagore nunca foi uma ótima escolha como escritor de histórias para a tela de Bengala. A popularidade de Sarat Chandra era muito mais extensa que a de Tagore. Sim, suas músicas obviamente eram importantes no cinema, mas não seus romances ou contos. Até Ghatak certa vez expressou sua indiferença em relação ao Tagore romancista.
Neste contexto, temos de julgar a contribuição de Sinha para criar Tagore como um escritor de histórias de sucesso para o cinema de Bengala. Embora esse feito pudesse ter sido dado a Ray, se antes de Pather Panchali ele teria feito Ghare Baire. No entanto, dentro de um curto espaço de 8 anos, Sinha fez repetidamente três filmes de sucesso baseados nas histórias de Tagore. Em Atithi, ele escreveu a música final que, juntamente com outros componentes musicais, desempenhou um papel importante para o destino do filme. O protagonista Tarapada como que se redescobre depois do encanto daquilo, que é quase um concerto musical. Na história original, Tagore escreveu um longo parágrafo para retratar a natureza rebelde que dominou Tarapada novamente após um longo período. No filme com uma ferramenta diferente, ou seja, a música, Sinha fez o mesmo. Sinha foi grandemente influenciado por Tagore. Embora hoje não se compreenda de fato o teor desta afirmação. Ela perdeu sua implicação pelo mau uso feito em relação a muitas pessoas. Eu posso dizer que poucas pessoas podem assimilar Tagore e reproduzi-lo através de sua própria vida. Sinha foi uma dessas pessoas.

Amitava: Conte-nos sobre os atores de Sinha. Seus favoritos e também como ele lidou com algumas das maiores estrelas de forma bem diferente em seus filmes.
Abesh: Eu acho que ele teve uma ótima química com Nirmal Kumar. Apesar da presença já estabelecida de Uttam Kumar, Sinha deu o protagonista masculino de Upahar a este jovem. E lembre-se que de 1955 até quase o fim esse ator apareceu repetidamente nos vários filmes de Sinha - como protagonista, coadjuvante, como convidado especial, quase em todos os filmes. Outra pessoa assim era com certeza Anil Chatterjee. Do final dos anos 50 até os anos 90 ele costumava estar presente em vários filmes de Sinha. Quem pode esquecer o protagonista de Nirjan Saikate? Eu também gostaria de mencionar meu favorito, Swarup Dutta. Embora ele aparecesse apenas em cinco filmes de Sinha, de 1968 a 1976 ele era um rosto familiar lá. E como foi versátil - protagonista em Ekhoni, ideólogo em Sagina Mahato, assassino em Harmonium. Entre as atrizes, Ruma Guhathakurta desempenhou vários papéis em várias ocasiões.
Obviamente, ele usou alguns ícones cinematográficos da época como Uttam Kumar, Saira Banu, Vaijayanthimala ou Dilip Kumar. Muito poucos dos então diretores poderiam ter tentado escalar Dilip Kumar como Sagina ou Uttam Kumar em um papel fora do romântico. Também vou acrescentar neste contexto que Soumita Chatterjee teve muita sorte ao começar sua carreira sob os auspícios de Ray e Sinha. De fato, ele admitiu num artigo como foi guiado nos primórdios de sua carreira por esses dois faróis.

Amitava: A obra de Sinha é extremamente diversificada e nela é difícil encontrar dois filmes semelhantes em termos de conteúdo. Quais são seus favoritos e por quê?
Abesh: Se a opção é encontrar os três melhores - eu já mencionei o mesmo no meu livro. Meus favoritos são Hasuli Baker Upakatha, Golpo Holeo Sotyi e Ek Doctor Ki Maut. O primeiro por sua superioridade técnica; o segundo por sua implementação pioneira do realismo mágico nas telas indianas e o terceiro por suas atuações inigualáveis.

Amitava: Você acha que Sinha nunca recebeu o devido reconhecimento - seja em Bengala ou em nível nacional?
Abesh: Honestamente falando: em grande medida, embora não completamente. Eu já lidei com essa questão. Para os filmes mais antigos, Sinha conseguiu algum reconhecimento. Embora as sociedades cinematográficas de então duvidassem daquilo que era popular e ele não tenha sido muito discutido por elas. Mas filmes como Kabuliwala ou Hasuli Baker Upakatha foram aclamados internacionalmente. Muitos de seus filmes como Nirjan Saikate ou Haate Bazarey receberam reconhecimento nacional. Também já falei sobre como o Dr. Bidhan Chandra Roy ficou impressionado com dois jovens, Ray e Sinha. Em relação a esses fatos, ele não pode ser considerado absolutamente negligenciado. Mas certamente era subestimado. Não se discutia sobre ele um quarto do que se falava sobre Ray, Ghatak ou Sen. As sociedades cinematográficas e os críticos de Bengala preferiam um silêncio incomum sobre sua presença. Depois de sua morte – como é de costume – é que estamos falando nele. Ele definitivamente merecia muito mais. No entanto, posso escolher três principais razões por trás do seu destino. Primeiramente, por trabalhar num formato popular, seu nome não foi incluído em discussões sérias. Segundo (e talvez o ponto mais decisivo), pelas políticas, então de esquerda. Terceiro, infelizmente, pelas comparações sempre presentes de seu rico trabalho com o de Satyajit Ray. Isto tornou as coisas difíceis para Tapan Sinha.


Publicado originalmente em: https://learningandcreativity.com/silhouette/tapan-sinha-book/
Tradução: Yuri Ramos



[1] Rabindranath Tagore, polímata indiano de Bengala, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura conhecido por sua produção literária e musical.