Em cinco letras podemos sobrevoar a obra deste cineasta superdotado e subestimado. Cinco letras: uma vez D (Delírio) e quatro vezes P: Profusão,
Profissionalismo, Paixão, Pertinência.
PROFUSÃO de personagens, de papéis de apoio, de figurantes.
PROFUSÃO das gags. PROFUSÃO dos “acidentes”. Como se o western (ele
inclusive fez um sublime, Wild Rovers, 1971) visitasse o desenho animado.
Mas quando falamos de influências, eu não concordo totalmente... Blake Edwards
presta homenagem não apenas aos desenhos animados, mas também a todo o
cinema.
PROFISSIONALISMO. Se ele favorece tomadas longas com arquiteturas
complexas, mas funcionais, ordenadas através de uma infinidade de personagens,
no meio da qual somem os protagonistas, que às vezes reivindicam o papel de
"estrela" pulando para escapar da massa, ele não elimina nenhum dos meios de
cinema: campo/contracampo; câmera lenta; a montagem sincopada; as pausas nas
quais Peter Sellers encontra a sua ração, como uma personagem de palhaço lunar,
um pouco como Buster Keaton; a elipse finalmente, onde ele se destaca na mesma
direção de Lubitsch. (Ver o final da cena do restaurante, hilariante, de Victor Victoria).
PAIXÃO. É óbvio que Edwards é um cinéfilo exigente. Que o cinema é a
parte mais importante de sua vida. Além de Keaton e Lubitsch, já mencionados,
ele às vezes presta homenagens a Ford, Cukor, Hawks... Homenagens elegantes,
fervorosas.
PERTINÊNCIA. Nunca nenhum julgamento moral. Nem das situações.
Nem das personagens. Nem dos eventos. Uma dialética explodida engendra uma
amoralidade absoluta e regozijante. E quando a caricatura aparece, em breves
instantes, atingindo todas as classes, nunca é mais do que uma homenagem aos slapsticks.
DELÍRIO. Evidentemente não é o cineasta da moderação (exceção notável
e arrebatadora: Days of Wine and Roses, 1962). As janelas só estão lá para serem
quebradas. As paredes, para serem derrubadas. As personagens, para serem espancadas. Cada gag é levada ao extremo, talvez, para deixá-lo sem fôlego e
destruí-lo também após ter exprimido o suco.
Mais elegante do que Stanley Donen, quando este chega a ser elegante. Mais
direto e virulento do que Howard Hawks quando se trata da confusão dos sexos.
Mais eficiente do que Richard Quine (a quem serviu por muito tempo como
roteirista). Mais sutil do que George Cukor (exceto pela joia que é Travels with My Aunt, 1972). Um cineasta de sucessos e fracassos, autor completo e produtor
de seus filmes, Blake Edwards permanece um dos mais incompreendidos por sua
situação ambígua face ao sistema hollywoodiano.
Como se esse sistema temesse ser queimado pelo seu anticonformismo,
violento e premeditado. Ele seria perdoado, sem dúvida, por causa do seu talento.
Mas a insolência, a provocação, a demolição dos preconceitos são “atravessadas”
por deslumbrantes e inesperados momentos de ternura, varridos, por sua vez, por
cativantes passes de mágica.
E aqui chegamos ao seu verdadeiro estatuto: Blake Edwards é um mágico.
Finalmente, devemos um enorme respeito a este autor de filmes (porque ele
é um), que foi capaz de realizar filmes tão diferentes e, no entanto, tão bem
sucedidos como são Breakfest At Tiffany, Days of Wine and Roses, Wild Rovers, What Did You Do in the War, Daddy?, The Corey Treatment, S.O.B. (onde ele atinge picos de delírio), The Party (o mais conhecido de todos), Switch, a inenarrável obra-prima Victor Victoria e, finalmente, A Shot in the Dark, cujo primeiro plano, de tirar o fôlego de tão magistral e cômico, é um verdadeiro
plano-sequência, ao contrário, por exemplo, daquele de Touch of Evil de Orson
Welles, cuja lenda é usurpada: há, nesse falso plano-sequência, um plano de corte
para o carro explodindo. Difícil desmascarar os erros “históricos”!
Em Blake Edwards, a questão da “usurpação” jamais se coloca: sob o manto
da desordem, trata-se de um dos mais honestos artesãos do cinema hollywoodiano.
(Paul Vecchialli; artigo originalmente publicado na revista La Furia Umana, n. 7, e disponível no site do periódico; tradução: Bruno Andrade e Yuri Ramos)
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