domingo, 9 de junho de 2019

John Wick 3 - Parabellum (2019)


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            Chad Stahelski, que, apesar de seus três filmes, permanece “autor de uma só obra” (a saga “John Wick”), tem uma carreira digna de mérito: saído do mundo dos lutadores, passou a ser dublê e diretor de ação em Hollywood, até se tornar diretor. Algo entre Budd Boeticher (que, lembrem-se, foi toureiro) e Lau Kar-Leung.

            Seu primeiro filme foi comparado, nas cenas de tiroteio, aos áureos tempos de John Woo e alguma parcela da crítica interessada pela história do cinema de ação lhe considerou uma grande descoberta à época.

A tudo isto subscrevo. Sua carreira tem sido uma das mais legítimas heranças do cinema de artes marciais no mundo: se John Woo, a quem lhe compararam, foi discípulo de Chang Cheh e soube transmutar para os ares contemporâneos e para as batalhas com armas de fogo o cinema sacrificial de seu mestre (cujos filmes de ares medievais versavam sobre o sacrifício honroso dos heróis), Stahelski é, hoje, o principal produto da influência deixada por Woo no cinema americano desde os anos 1990.

 Atestado evidente disto é o recente John Wick 3 – Parabellum. Seu início apresenta os problemas típicos de algumas recentes produções do cinema de ação: a estetização de espaços a fim de criar o estranhamento de uma certa dimensão onírica, como quando Wick pede ajuda a uma mafiosa de Belarus e, até chegar a seu escritório, é conduzido por uma série de salas onde se realizam exercícios físicos e de dança, rigidamente estilizados e que parecem ocorrer “à revelia da realidade”; uma tendência ao sadismo em certas imagens gratuitas de violência (como quando, neste mesmo episódio com a mafiosa, vemos uma bailarina arrancar uma das unhas dos pés); episódios ridículos e propositados no virtuosismo da ação (que nem sempre são maus, mas que, aqui, não cabem na específica narrativa trágica que é própria aos filmes com o personagem), como na luta do estábulo, em que Wick usa “coices de cavalos” para se livrar de seus inimigos.

No entanto, apesar destes erros localizados, o filme conserva uma profusão de cenas de ação brilhantes. Em especial, o longuíssimo confronto final entre o protagonista e seus rivais japoneses. Há muito não se via esta forma de encenação: a ação dirigida nos moldes do kung fu, desta vez swm a afetação de planos curtíssimos e picotados ou, ao invés, de planos-sequências sem razão de ser. Uma série de desafios traçados sem qualquer adição à narrativa, como nos melhores filmes que Chang Cheh realizou no fim dos anos 1970 e no começo dos anos 1980. A pura e simples beleza do martírio.

            Como aconteceu aos “grandes mestres” do cinema de ação, Stahelski parece fundir com bastante destreza suas experiências pessoais como lutador no seu processo de confecção enquanto artista. Talvez, nesse sentido, fosse mais justo compará-lo a Lau Kar-Leung, que, por meio de sua arte, nos deu a ver uma visão bastante própria do que era “a vida do lutador” ou daquilo que faz especiais aqueles que lutam.

            À certa altura deste terceiro John Wick, um personagem cita o famoso brocado latino: “Si vis pacem, para bellum”. Se queres paz, prepara-te para a guerra. Chad Stahelski parece ter experimentado da guerra e, por isso, sabe recriá-la com a devida grandeza.

Godzilla II - Rei dos Monstros (2019)


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            A premissa era bastante interessante: como sempre ocorre nas histórias de Godzilla, um mundo desigual e de conflitos ambientais precisa receber uma lição dos velhos titãs para que possa seguir em frente. Desta vez, um grupo resolve ressuscitar uma série de monstros míticos para cumprir este trabalho e a narrativa toma forma como uma grande homenagem cinéfila aos inesquecíveis personagens da Toho: ganha vida o Rei Ghidorah, que será combatido, como de costume, pelo herói Godzilla. Ressuscitam, de mesmo modo, Rodan e Mothra, outros dos seres lendários do imaginário daikaiju.

            A execução, no entanto, é muito precária em certos pontos: um filme que parece duvidar da inteligência dos espectadores, recorrendo a pleonasmos frequentes (a imagem do “monstro 0” é vista; logo um personagem diz, em alto e bom som: “monstro 0”!!!); o tema do drama familiar envolvido na trama parece pouco trabalhado, apesar de recorrente.

            A ausência de complexidade nas figuras constituídas pelo enredo são, desta forma, uma espécie de auto-sabotagem: um filme de ícones, um filme de deuses, que se explica demais e retira o ar mistérico destes elementos, diminui sua divindade. Talvez fosse necessário algo mais simplório: bastavam as batalhas internas advindas do renascimento de Godzilla, Ghidorah e seus asseclas. Só a ressurreição deles já seria a glória do filme. Eles falam por si mesmos e não precisam de intérpretes.

            Ainda assim, permanecem coisas belas: o renascimento de Mothra na cascata, quando “as estrelas descem do céu” para lhe darem vida; a batalha final entre os quatro grandes monstros; o triunfo cristológico de Godzilla sobre a morte (em algum momento, um personagem diz: “ele morreu para nossa salvação”). Tudo isto não apagará os vexames contidos na produção, mas faz valer a curiosidade pela sessão.

            E, assim, que venham outros filmes. É sempre bom ver estes grandes personagens de volta. Afinal, é como dizem: vida longa ao rei!

Domino (2019)




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          Domino (ou “Dominó”, no que seria mais próprio do português), era, até há alguns dias, o filme mais esperado deste fim de década. Não é certo que todos levassem fé num retorno triunfal de Brian De Palma, depois dos sete anos sabáticos que separam Passion desta nova produção, mas não há dúvidas de que havia algo de esplendoroso neste evento: o retorno do gênio, mesmo que tímido, era um fôlego a mais para o circuito menos que medíocre dos últimos anos e, ao mesmo tempo, uma espécie de reencontro amigável com um séquito que, venha como vier, estará sempre a sua espera.

            Antes da estreia, algumas impropriedades nos períodos de produção e pós-produção denunciaram que as coisas não iam bem com o filme: De Palma concedeu uma polêmica entrevista onde dizia ter detestado a experiência de realizar aquela obra que, apesar de tudo, considerava “algo de bom”; surgiram notícias, ainda, de que o diretor se recusara a participar ativamente do processo de edição, que teria ficado quase totalmente a cargo de outros; se alardeou um corte monumental na metragem do filme, de 140 para cerca de 80 minutos.

            O resultado, como era de se esperar, foi bastante prejudicado: o corpo do filme, sua totalidade, parece bastante desigual, mesmo que suas partes isoladas (provavelmente mais isoladas ainda por uma montagem “alheia” à autoria da obra) possam demonstrar lampejos de beleza bastante brilhantes. Neste sentido, a narrativa parece se dividir em três partes: um prólogo (até a cena do desmaio do protagonista) que introduz a trama internacional traçada pelo filme; o desenvolvimento desta mesma trama; uma conclusão (a cena na arena de touros) que se pretende como grande clímax da obra. 

            O desenvolvimento, a segunda destas partes, parece mais prejudicado pelas recorrentes falhas na produção do que pelos erros do próprio autor: há, nele, uma tonalidade pedestre, um tanto monótona, evidentemente causada por uma espécie de simplificação da trama e de esterilização da imagem. É como se esta parte do enredo servisse, de modo temerariamente utilitarista, somente para tocar em frente os problemas introduzidos no prólogo, do modo mais simples possível e com as imagens mais genéricas (estéreis, neste sentido).

          Mas se, neste ponto, as imagens vistas são prejudicadas pela montagem, a conclusão não sofreu exatamente deste mesmo mal. Mesmo que, em parte, a preparação para seu clímax seja deficitária e, por isso, lhe tire a força própria, as ideias na construção das imagens parecem terríveis: a morte esdrúxula do terrorista atingido por um drone e a intervenção risível de uma coadjuvante que o impede de perpetrar seu plano de destruição são problemas diretamente relacionados à direção e, portanto, oneráveis na dívida de De Palma.

            No entanto, eu dizia que, neste filme, “algumas partes isoladas são brilhantes”. O prólogo poderia ser uma espécie de “filme em separado”. Tudo nele é sublime. É o melhor De Palma. O De Palma de Femme Fatale, para quem a encenação não têm barreiras nem medidas, para quem o quadro não é uma contingência, mas um mero joguete para se recriar, de diversas formas, a totalidade do espaço. Talvez intencionalmente, aqui se rememore Hitchcock: a vertigem de Um Corpo que Cai e os telhados de Ladrão de Casaca. O voyeur em Janela Indiscreta (e no saudoso Dublê de Corpo). 20 minutos de reinvenção, do mundo e, um pouco também, de si. Enfim, um De Palma original, como foi aquele que se recriou tantas vezes nas últimas cinco décadas.

            Nós sabemos que este provavelmente não é seu último filme (outros dois estão sendo produzidos), mas, se fosse, seria um digno final. Não perfeito (não era preciso ser o que já se foi tantas vezes), mas um marco, mesmo que tímido, daquilo que, mesmo na diversidade, sempre foram as suas obras: o retrato do gênio.

Meu Amigo Jean-Claude Brisseau, por Louis Skorecki


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          Sou amigo de Jean-Claude Brisseau há mais de quarenta anos. Eu o conheço e o amo. Eu lhe confiaria minha vida, se necessário. Mas como ainda tenho um pouco de amor pelo cinema, tenho que dizer diante do mundo incrédulo que BRISSEAU era o último lampejo do cinema francês.
Seu nome estava sujo por jornalistas incapazes de fazer uma investigação (no LIBÉRATION, quando eu ainda estava lá, um jornalista preferiu acusá-lo das piores sujeiras sem qualquer prova, e sem querer mesmo ouvir a mim, num testemunho de em primeira mão, preferindo manchar esse inocente com todos os crimes). Se há um homem desnudado diante do eterno, é Jean-Claude Brisseau, o único indivíduo que eu conheci totalmente incapaz da menor mentira.

          Quando se trata de sujar o nome de alguém, sempre usamos palavras grandes como "deontologia" e este jornalista não queria ouvir o que eu sabia sobre Jean-Claude, para “permanecer imparcial” no seu assassinato da midiático.

          Ser condenado por atrizes inescrupulosas e inconstantes (que teriam vendido sua virgindade por três tostões a um Kechiche) gerou uma mágoa profunda em BRISSEAU e, embora ele estivesse certo de que sua apelação resultaria, preferiu se resignar.

          Como em Fritz Lang ou em seu mestre Alfred Hitchcock, ele resolveu ser o WRONG MAN, o FALSE GUILTY.

          Para além de Luc Moullet, Jean-Claude Brisseau era o único cineasta na França ainda capaz de um pequeno gênio. Existem cineastas de talento, mas de gênio, não, absolutamente. Neste momento em que ocorre a sinistra feira de comércio de Cannes, os milagres profanos de Brisseau, único herdeiro convincente e avassalador do grande Luis Buñuel, nos fazem falta e nos farão por muito tempo. Durante todas as nossas vidas sentiremos a falta deles, desses anjos exterminadores e de suas rondas obsessivas e sexuais, longe das falsas deflorações de um cinema violado à exaustão.

         Jean-Claude, onde quer que você esteja, eu lhe mando um beijo.

A Vingança de Frankenstein (1958), por Jayme Chaves

          


          Quando a Hammer anunciou em 1956 que iria produzir The Curse of Frankenstein, a Universal Pictures proibiu terminantemente o uso de qualquer imagem que remetesse ao filme de 1931, o que obrigou os produtores a uma retomada do romance original ao mesmo tempo em que reinventava o personagem. O Frankenstein da Hammer, interpretado por Peter Cushing, difere substancialmente de seus antecessores. Em Mary Shelley, ele é o cientista que almejava ser o Moderno Prometeu, mas que recua imediatamente diante do sucesso de sua empreitada, sendo responsável por sua desgraça, pela desgraça de sua criação, e pela desgraça de seus amigos e familiares. O romance é uma longa lamentação, uma confissão, uma exposição do remorso de Victor, por ter alguma vez ousado tomar o lugar de Deus. O Frankenstein de James Whale (1931) é mais autoindulgente, recuando apenas quando percebe que a criatura é um homicida incontrolável. Mas o Frankenstein concebido pelo roteirista Jimmy Sangster, pelo diretor Terence Fisher, e pelo ator Peter Cushing, é a antítese de tudo isso: frio, cerebral, calculista, psicopata (no sentido estrito de “incapaz de empatia”), e, ao contrário de suas encarnações anteriores, não apenas não se horroriza com o homicídio, como o comete sem nenhum remorso. Tudo que o interessa são as suas pesquisas. Imbuído de uma autoproclamada superioridade moral e intelectual, ele destrói qualquer coisa que se coloque entre ele e seus objetivos.

         Jean-Jacques Lecercle vai deplorar esta releitura que, segundo ele, é desprovida de contradições que nos façam nos identificar com o personagem. O Frankenstein da Hammer encarna uma espécie de mal absoluto, sem nuances, desprovido de um mínimo de humanidade que nos possa fazer compartilhar, vicariamente, de sua grandeza e de sua tragédia. No entanto, me parece que Lecercle deixou escapar (mas não tanto) um dado fundamental: esse Frankenstein de 1957 foi realizado 12 anos após o término da Segunda Guerra Mundial, assim como o Frankenstein da Universal 13 anos após o término da Primeira. A Grande Guerra, que boa parte dos historiadores considera como o marco do verdadeiro início do século XX, esfriou o otimismo com que o grande público enxergava os poderes da ciência, otimismo esse responsável pela popularidade da ficção científica e da proto-ficção científica. A ficção científica entrou em certo declínio na Europa e conheceu uma formidável ascensão nos Estados Unidos, o único país na época que, saindo fortalecido da guerra, tinha razões para crer no progresso da ciência. O retrato do Dr. Frankenstein no filme de 1931 mostra um cientista mais ousado, mais tomado pela húbris, embora com algum resquício de moralidade diante do horror. O Frankenstein da Hammer é o Frankenstein pós-campos de concentração, pós morticínio planejado, calculado, em escala industrial. Pós-experiências genéticas absurdas do Dr. Josef Mengele em Auschwitz, pós-experiências biológicas absurdas do Dr. Trofin Lysenko na União Soviética. Se esse Frankenstein nos parece uma figura plana, sem ambiguidades, sem contradições, por outro lado nós tivemos exemplos bastante concretos e reais de até onde a insensibilidade diante dos resultados de uma experiência catastrófica poderia ir. O Dr. Frankenstein da Hammer é o nosso Frankenstein.

          É evidente que diante desta figuração, a criatura perdeu o estatuto que havia adquirido com Boris Karloff. O foco passou a ser o médico, e não o monstro. Ou seja: “the man who made a monster” foi erguido de sua queda e conheceu nova ascensão, solidificada graças as sequências que foram feitas. Mas, uma vez que o Mito Frankenstein estava incontornavelmente solto, liberto, unbound, sua ascensão se fez totalmente à revelia do romance original, e gerou seis sequências que expandiam, adulteravam e contradiziam o texto e o filme originais de modo radical.

          A primeira sequência, The Revenge of Frankenstein (1959), chama atenção a partir do título: dupla vingança, da personagem em seu novo contexto, e do mito como um todo. Não apenas recuperará o seu estatuto original como irá muito mais longe, estabelecendo um cânone ficcional próprio.

        O segundo filme da Hammer começa exatamente onde termina o primeiro, com o barão marchando para o cadafalso para ser guilhotinado. Escapa e passa a clinicar com outro nome, Dr. Stein, além de prestar serviços médicos para os pobres e necessitados. Essa “caridade” praticada pelo médico esconde os seus reais objetivos: encontrar carne fresca para seus experimentos, no caso, um corpo construído que receberá o cérebro de um aleijado, responsável por ajudar o “bom doutor” em sua fuga em troca de um novo corpo. No romance de Mary Shelley, bem como nos filmes de 1931 e 1957, Victor constrói a criatura com partes de defuntos recém-sepultados. Em Revenge, ele a constrói com membros de homens vivos, falsamente diagnosticados com doenças passíveis de amputamentos. A evolução da personagem em direção a uma maior deterioração moral, bem como a um avanço em sua ciência, é evidente. Avanço científico e colapso moral. Como disse E. Michael Jones em seu Monsters from the Id, “O horror é a moralidade escrita às avessas. É a ordem moral vista pelo lado errado do telescópio”.

          O roteiro, mais uma vez de Jimmy Sangster, surpreende não apenas no desenvolvimento do personagem, mas na capacidade metalinguística e autorreferencial. Um momento notável é quando o Barão é confrontado com a descoberta de sua identidade pelo jovem Dr. Hans Kleve (Francis Matthews):


STEIN: So, and what if I am this Baron Frankenstein? 

HANS: Are you? 

STEIN: Just now you were telling me, now you’ re asking. Dr. Kleve, why are you so interested in this gentleman? 

HANS: I’m in search of knowledge. 

STEIN: Oh, knowledge! Oh, so that’s it! My name is Frankenstein, I’ll admit. 

HANS: Ah! 

STEIN: But it’s a large family, you know. Remarkable since the Middle Ages for its productivity. There are offshoots everywhere, even in America, I’m told. There’s a town called Frankenstein in Germany. 


       Even in America, I’m told. A ironia não poderia ser maior. O Barão, com sua dupla nacionalidade – suíça enquanto criador, inglesa enquanto criatura – tem a sua vingança, escarnecendo da usurpação generalizada, perpetrada pelos estadunidenses da Universal Pictures.

          O filme se encerra com o linchamento do Dr. Stein pelos seus pacientes, quando sua verdadeira identidade é revelada. Prestes a morrer, ele ordena ao apavorado Dr. Kleve que transfira o seu cérebro para um corpo recém-construído. Sua nova identidade, Dr. Frank, instala-se em Londres. Percebemos que seu novo braço, tatuado, é o braço amputado de um marginal de rua, interno do hospital onde sua identidade pregressa clinicava.

           Os dois primeiros filmes da franquia Hammer formam um conjunto harmonioso, tanto na mise-em-scène como no roteiro. Sete anos depois, o estúdio norte-americano percebeu o potencial financeiro das produções britânicas. O terceiro filme da série é surpreendente, o que, no caso, não é um elogio. The Evil of Frankenstein (1964) ignora quase tudo que sucedeu nos filmes anteriores. Esperamos, como espectadores, encontrar o Dr. Frank com seu braço tatuado clinicando em Londres e dedicando-se a novos, mais ousados e macabros experimentos. Mas não. Nesta sequência, nunca houve prisão, condenação, guilhotina, fuga, nova identidade, quase-morte, transplante de cérebro e braço tatuado. Nunca houve Londres. Reencena, em flashback, os acontecimentos do primeiro filme, modificando bastante a história. A reminiscência de sua criação primordial remete ao filme da Universal, o que se explica por razões contratuais: a produtora distribuiu o filme nos Estados Unidos e finalmente cedeu os direitos de uso da iconografia dos anos de 1930: o design do laboratório, a maquiagem de Boris Karloff, o moinho, o tema da noiva – Rena, uma jovem surda-muda interpretada por Katy Wild. Na verdade, este terceiro filme quebra a continuidade com os outros porque ele foi uma tentativa de fazer aquilo que sempre foi o projeto original da Hammer: refilmar o clássico de 1931. Infelizmente, vislumbrando uma maior distribuição de seus filmes mundo afora, o estúdio não se importou de descartar a originalidade conseguida com a dupla Curse/Revenge, e recomeçou a história praticamente no ponto em que o primeiro filme de Whale se encerra. Com um roteiro fraco, desta vez escrito por John Elder, direção pouco inspirada de Freddie Francis e dispensando as premissas engenhosamente arquitetadas pela dupla Fischer/Sangster dos dois primeiros filmes, The Evil of Frankenstein é uma decepção. Seu único momento memorável é a abertura, onde a dissecação de um cadáver fresco é mostrada, juntamente com os créditos iniciais, apenas com a imagem em close do rosto febril do Barão.

          No entanto, este pouco apreço pela coerência interna deste mundo ficcional que estava sendo construído vai acabar por reforçar o potencial mítico do personagem. Mas isso já é outra história.