sábado, 16 de janeiro de 2021
Mank (2020)
MANK (2020)
Seis anos separavam Mank do último
filme de David Fincher, Garota Exemplar. Era, portanto, uma estreia esperada,
uma ótima oportunidade para Fincher provar mais uma vez a excelência que seus
filmes recentes têm demonstrado.
Até por isto, faltam palavras para
descrever a decepção desta biografia de Herman J. Mankiewicz. Não só isto, mas
também faltam palavras de um sentido mais técnico: é difícil descrever em
minúcias críticas quais foram, ponto a ponto, os erros do filme. Há muita coisa
nebulosa, desorganizada, claramente precária, mas difícil de ser esmiuçada.
No entanto, tentemos: me parece que
o principal “veneno” que corroeu as estruturas do filme reside numa espécie de
“simbólica” muito histriônica e malograda. O filme parece ser todo erigido em
torno de uma simbolização da antiga Hollywood e da vida de Mankiewicz que,
antes de ser uma boa ficção, é a pior das caricaturas.
Em primeiro lugar, o uso forçoso de
uma fotografia alla Kane ou à moda noir não parece nada orgânico. Há exageros
de contraste que se somam a exageros na composição do décor, tudo num intuito
claro de forçar, de modo bastante grosseiro, o entendimento do espectador a
perceber que “está-se fazendo uma bela homenagem aos clássicos”.
Em segundo lugar, a montagem parece
uma das coisas mais desleixadas que um diretor consagrado poderia fazer. Há
alguns cortes abruptos em imagens de memórias e os flashbacks parecem ser
desordenados propositalmente, tudo isto
para representar uma memória errática, mas o resultado é desastroso.
Essas centelhas das lembranças de Mank, quando montadas, parecem tão lacunares
que perdem qualquer força que poderiam ter. Mais uma vez há, aqui, um problema
de representação: o comprimento das imagens e a forma de sua disposição parecem
ter sido feitos para gerar uma caricatura dos acontecimentos, mas não para
expressar o verdadeiro peso que eles tiveram na vida do protagonista. A
impressão gerada é a de que os fatos são “jogados” aleatoriamente,
preguiçosamente, a nossa vista.
Um dado presente no filme, no
entanto, o salva do fracasso total. Se é verdade que Mank é um filme que, em
alguma medida, quer fazer justiça à memória do homem que influenciou
terminantemente um dos melhores filmes do mundo, seu único trunfo reside num
objeto, criado por Mankiewicz, e que foi decisivo para amarmos tanto assim
Citizen Kane: Rosebud. Em Mank não há trenós, mas este objeto de desejo a ser
perscrutado e reencontrado pelos espectadores é a vida do próprio Mankiewicz
que, sem dúvida, representaria um material interessante até no pior dos
roteiros. Sua vida atribulada, de doenças e vícios, sua relação com Welles e
sua redenção, na feitura do roteiro de Kane, são episódios caros a todos nós e,
mesmo mal representados, continuam atrativos.
O saldo final é bastante negativo,
claro. E mais parece, depois disso, que o verdadeiro interesse de Fincher hoje
é Mindhunter, sua bem-sucedida série de TV, na qual ele vêm exercendo, em
algumas incursões como diretor de episódios, experimentações eficazes que
relembram os melhores momentos de Zodíaco. Que volte para o cinema, mas sem a
preguiça que acometeu este último e profundo lapso de sua carreira.