sexta-feira, 27 de abril de 2018

Quase inéditos de King Hu disponíveis no YouTube



         

Estive verificando e há pelo menos dois filmes co-dirigidos por King Hu que se encontram quase que exclusivamente disponíveis no YouTube. Compilo aqui os links para que fiquem gravados, junto ao endereço onde se encontra também seu último filme, Painted Skin, este já não tão inédito para alguns, mas igualmente mais complicado para o acesso:


Four Moods (sem legendas; filme que também conta com co-direção de Han-Hsiang Li; 1970)
https://www.youtube.com/watch?v=4WjjY-pbrrE

The Wheel of Life (com legendas em inglês; 1983)
https://www.youtube.com/watch?v=5fw3qU8v0nE

Painted Skin (com legendas em inglês; 1993)
https://www.youtube.com/watch?v=LOuPuSco93g

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Capitão de Castela, por Jacques Loucelles




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CAPITÃO DE CASTELA
(Captain from Castile)



            1947 – EUA (145’) • Prod. Fox (Lamar Trotti) • Dir. HENRY KING • Rot. Lamar Trotti, baseado num romance de Samuel Shellabarger • Fot. Charles Clarke e Arthur E. Arling (Technicolor) • Mus. Alfred Newman • Com Tyrone Power (Pedro De Vargas), Jean Peters (Catana Perez), Cesar Romero (Hernando Cortez), Lee J. Cobb (Juan Garcia), John Sutton (Diego De Silva), Antonio Moreno (Don Francisco De Vargas), Thomas Gomez (Pe. Bartolomeo Romero), Alan Mowbray (Prof. Botello), Barbara Lawrence (Luisa De Caravajal).

Espanha, 1518. O pai e a mãe de Pedro De Vargas foram presos por Diego De Silva, representante da Inquisição. Sua jovem irmã de doze anos foi torturada até a morte. O próprio Pedro foi capturado. Ele escapa do cárcere ao matar num duelo De Silva, responsável por todas as suas desventuras. Catana Perez, uma servente de albergue apaixonada por ele, e um amigo, Juan Garcia, encarcerados nessa prisão por terem permanecido ao lado de sua mãe, prisioneira da Inquisição, o ajudaram em sua fuga. Eles igualmente favoreceram os pais de Pedro a fugir, os quais encontrarão refúgio na Itália. Pedro, Garcia e Catana se juntam às fileiras de Hernando Cortez e partem para o Novo Mundo. O embarque será no La Havana. Uma vez no México, a armada de Cortez receberá muitas visitas de embaixadores e presentes do imperador Montezuma, para que deixe o território. Pedro contou sua história, e sobre o homicídio que cometeu, ao Padre Romero, que acompanha os tripulantes. Este o faz jurar que rezará pela alma de De Silva. Pedro, que aos poucos se torna mais sensível ao amor e à devoção de Catana, quer casar-se com ela, malgrado o abismo que distancia suas posições sociais. Ele frustra uma conspiração de ladrões que tentam roubar o tesouro de Cortez. Durante este episódio, é ferido e o médico-astrólogo Botello cauterizará com um ferro incandescente a ferida que ele tem no crânio, assegurando assim sua salvação. A fim de remover definitivamente do espírito de seus homens o desejo de retorno e mostrar a Montezuma sua determinação, Cortez queima seus navios. De mesmo modo, ele combaterá as tropas enviadas pelo governador de Cuba. Entre os oficiais que o ajudarão, está De Silva, que sobreviveu ao duelo com Pedro. Ele pretende levar a inquisição às fileiras de Cortez, que se opõe energicamente. Um índio, antigo escravo de De Silva, que antes o havia perseguido, assassina-o numa noite, em sua tenda. Pedro, cujo conflito com De Silva é bem conhecido, é preso pelo crime e será enforcado. Catana o apunhala para poupá-lo desta desonra, logo antes de sua inocência ser revelada. Pedro escapará da morte. A armada de Cortez parte a enfrentar Montezuma. Catana segue a tropa, trazendo o filho que deu a Pedro.

A elegância visual do filme, seu esplendor plástico, ajuda King a alcançar esta altura de tom no romanesco que ele procura obstinadamente. Nem a truculência, nem o pitoresco, nem as surpresas e as viradas do destino o interessam tanto quanto isto. A noção de aventura (e nenhum filme é mais aventureiro que este) é utilizada para colocar os personagens, e sobretudo o personagem central, em face de sua verdade. Quando ele se junta à tropa de Cortez, havia perdido tudo, exceto o essencial, que a ele será revelado nos estranhos décors do Novo Mundo (filmados realmente no México). Do seu catolicismo, ele experimentará a mais difícil virtude: a do perdão, aplicada aqui ao seu pior inimigo.  Consequência de seu respeito pelos seres (sejam de outra raça ou de outra classe social que não a sua), virá a ele como um presente do céu este amor de uma serva, a qual ele amais um dia pensou em tomar como esposa. Os paroxismos de sua vida, sejam de amor, de ódio ou de desespero, são tratados por King de forma bastante reservada, a mesma que torna seus filmes incomparáveis àqueles dos cineastas de sua geração (Walsh, Dwan ou Ford). O espetacular emana sempre de um relato fundamentalmente e voluntariamente austero. A emoção permanece como que escondida, protegida por uma aparente impassibilidade. O autor odiaria impor esta emoção pelo recurso ao patético ou pela identificação do espectador com os personagens. Assim, a emocionante cena em que Catana apunhala Pedro para livrá-lo da desonra de uma execução, gesto que evoca tantas linhas complexas que conectam os dois personagens, é tratada com a mesma frieza “plástica” que uma cena de ação e de movimento, como aquela perseguição a cavalo na noite – fabulosamente bela – quando Pedro deseja ajudar seus pais a fugirem da Itália.




(Jacques Lourcelles, em Dictionnaire du Cinéma – Les Films; Tradução: Yuri Ramos; Publicado originalmente na folha da sessão do filme pelo Cineclube Golden Swallow)

sábado, 7 de abril de 2018

James Cameron e a Fantasia







        A relação entre o cinema de fantasia e a obra de James Cameron é, antes de qualquer abordagem mais intrínseca aos seus filmes, genética: é na continuação de um filme de Joe Dante que o cineasta fará a estreia na direção de longas-metragens; os efeitos especiais fazem parte integrante do início de sua carreira; por fim, é em contato com Roger Corman que firma uma de suas primeiras e decisivas impressões sobre o cinema fantástico, em Mercenários das Galáxias.

            No entanto, se há algo de hereditário que norteou, desde os primórdios de sua carreira, a veia fantásticas das narrativas de Cameron, é justo que também se tente discernir qual a relação própria entre o real e o fantástico disposta dentro de suas obras em particular.

            Neste sentido, é muito curioso que a sua carreira pareça se dividir em duas fases: a primeira é aquela na qual o caráter fantástico da narrativa só é verificado de modo consciente num ambiente exógeno à obra, na relação extrínseca que o filme estabelece com o espectador, onde este último o reconhece conscientemente como um exemplar de narrativa fantástica, consequentemente discernindo-o (não só por isso, mas também por isso) como um objeto admirável, um objeto que suscita interesse. E no que tange a este reconhecimento, ele se dá especificamente no momento em que certos elementos surgem nas obras, conferindo-lhes, a partir deste ponto, um tom de périplo, de “jornada fantástica”. Este surgimento, por sua vez, se dá de duas formas: quando algum elemento fantástico é inserido na ordinaridade do mundo (o Exterminador do Futuro que vem ao mundo atual; as piranhas que surgem na praia) ou quando personagens de um mundo ordinário resolvem se inserir num ambiente fantástico (The Abyss e Alien).

            A segunda fase de Cameron, ao contrário, apesar de conter a mesma verificação consciente, por parte do espectador, do filme enquanto jornada fantástica, carrega também este reconhecimento intrínseco na obra, por parte de alguns de seus personagens (geralmente os protagonistas e os coadjuvantes de maior relevância). Esta autoconsciência da narrativa fantástica é bastante clara em True Lies, Titanic e Avatar, os três últimos filmes de Cameron. No primeiro, um membro da CIA, cuja mulher acredita ser adúltero por passar muito tempo fora de casa supostamente trabalhando, resolve, para provar sua inocência, dar uma amostra, para a esposa, do que é o seu quotidiano de agente secreto. No terceiro, um paralítico encontra refúgio de um ambiente degradado e excludente num mundo dos sonhos, que ele avidamente deseja, onde seu corpo é substituído por um duplo, seu “avatar”. Em ambos os casos, é evidente a autoconsciência da obra em seu caráter fantástico e, ao mesmo tempo, a consciência dos personagens no adentramento de um mundo que não é propriamente o real.

            O segundo filme, no entanto, Titanic, é um caso curioso, que, ao se encaixar de modo singular nesta segunda categoria de consciência da fantasia, parece cumprir ainda melhor os objetivos da estética da primeira fase de Cameron que aqui delimitamos. Se aquela fase era a de uma consciência, por parte do espectador, da fantasia, com a consequente admiração em relação àquilo que é visto, em Titanic o desejo não é só da admiração da ação fantástica, mas de sermos nós mesmos os atores dela. A autoconsciência de Rose de estrar adentrando, durante seu enorme flashback, num mundo do passado, no ambiente da memória, e ao mesmo tempo, o convite que ela faz aos coadjuvantes que a ouvem contar o ocorrido, com um sugestivo “vocês estão prontos para ouvir isso?”, constituem um método de condução do espectador a participar de sua jornada por meio de detalhes formais bastante pontuais na obra (a câmera subjetiva na sequência final, onde Rose somos nós e nós somos ela, em sua última viagem pelo “navio dos sonhos”).

            É muito provavelmente por isso que se pode dizer que Titanic é o filme mais maduro de Cameron, aquele em que seus recursos formais de comunicação estética/narrativa em prol da imersão nas suas alegorias fantásticas sãos mais bem desenvolvidos e chegam a níveis de eficiência muito maiores. E, neste sentido, é muito instigante esperar pelo que vem por aí com os novos Avatares, que parecem ensaiar um rompimento com todos estes processos que aqui citamos.