DESCOBERTA DE GURU DUTT
Há apenas um nome dentro do cinema indiano capaz de ultrapassar a
velha oposição entre filmes comerciais e filmes independentes. No
início dos anos 50 (e mesmo dos anos 30 até a atualidade), existiram
alguns cineastas que, conciliando um sistema econômico e estético,
realizaram um verdadeiro trabalho de mise-en-scène. Esses cineastas
ainda não foram descobertos e Guru Dutt é um deles. Este contribuiu
para o cinema musical indiano, cantado e dançado, com uma grande
qualidade de execução e um extremo cuidado. Mais do que um refinado
esteta, é um cineasta suntuoso e decadente. Ele não conta histórias ou
propõe temas, tem apenas obsessões que o torturam e nos oferece
delírios megalomaníacos (a perseguição do fracasso e seu
correspondente fantasma na celebridade post morum). Seus filmes não
são autobiográficos nem premonitórios. É antes a sua vida que se
assemelha progressivamente a seus filmes. O destino do Guru Dutt é
inventar histórias para vivê-las em seguida. Ator e diretor, ele também
se converteu (tragicamente) em um personagem de seus filmes.
A vida de Guru Dutt foi um melodrama sombrio. Ele nasceu em 1925
e muito jovem entrou na Academia de Arte Uday Shankar, onde
ensinou dança. Aos 20 anos, ele se envolveu com os estúdios da
empresa Prabhar, em Puna. Dirigiu seu primeiro filme aos 26 anos no
contexto do cinema comercial hindu e fundou sua própria produtora (a
Guru Dutt Films Private Limited) e começou a interpretar seus filmes.
Autor completo. Um caso único dentro do sistema. Ele se cerca de fiéis
colaboradores: o roteirista Abrar Alvi, o músico S. D. Burman, o
operador V. K. Murthy, sem esquecer o ator Johnny Walker (seu
número musical em Sede Eterna, no qual ele elogia as vantagens de
uma loção capilar é inesquecível). A esposa de Dutt, Geeta Roy, famosa
cantora, emprestará sua voz a todas as músicas de seus filmes. Guru
Dutt se arruinou em 1959 com seu sétimo filme, Flores de Papel. Em
1962, ele produziu e interpretou Sahib bibi aur ghuúzm, mas, ressentido
com o fracasso de seu filme anterior, preferiu confiar a mise-en-scène
ao roteirista. Guru Dutt, em seguida, continua sua carreira de ator no
cinema comercial, até cometer suicídio em 1964, com 39 anos de idade.
Os três filmes mais conhecidos de Guru Dutt (Sede Eterna, Flores de
Papel e Baharen Phir Bhi Aayengi) têm um ponto em comum: Waheeda
Rehman. Atriz e estrela fabricada peça por peça por Dutt. O outro ponto
em comum é a descoberta imediata de que um cineasta como Dutt só
poderia realmente se expressar dentro de uma economia de estúdio: ele
precisa de decorações gigantescas (colunatas de estuque...), estrelas,
luzes que explorem ou escondam os contornos de seu rosto, filtros que,
sorrateiramente, auxiliem o olhar para a câmera. Dutt trabalha por
fragmentos e fetiches: entre o primeiro plano de um rosto e todo o plano
de um corpo, a luz não realiza raccord jamais. Destes três filmes, Sede
Eterna é sem dúvida o mais belo e coerente. É o retrato do artista como
um poeta amaldiçoado: Vijay (Guru Dutt), autor de canções, se
encontra dividido entre uma prostituta (Waheeda Rehman) e uma velha
amiga de escola casada com um editor rico que ignora seu talento.
Quando todos o consideram morto, o editor considera apropriado
publicar seu trabalho e o poeta se torna uma celebridade. Na última
sequência, comovedor fragmento de antologia, o poeta retorna a um
teatro no qual se celebra o primeiro aniversário de sua morte. Ele então
grita seu ódio para a mesquinhez deste mundo sórdido. Ele canta
também (em uma declaração com voz sublime) antes que a multidão o
tome por impostor e o expulse. Quando parece que as pessoas vão
reconhecê-lo, ele se afasta com desdém. Como um personagem de um
Devotional Film, acompanhado pela mulher amada (Waheeta Rehman),
alcançava esferas artísticas mais elevadas.
Flores de papel é igualmente de um narcisismo sombrio. Traça a vida
de um cineasta interpretado por Guru Dutt. Acompanhamos o auge de
seu sucesso, momento em que conhece uma atriz (Waheeda Rehman:
um episódio diretamente inspirado em sua vida), até o seu fracasso e
seu progressivo afastamento dos estúdios da companhia. O início do
filme (o velho que entra no estúdio vazio e se lembra de sua carreira) e
o final (sua morte) são sublimes. Flores de papel não é tanto uma
ilustração de A Star is Born como a atualização da angústia de saber
que a estrela modelada por um cineasta pode continuar a ser sem ele. A
esse respeito, deve-se acrescentar que o conjunto Dutt/Rehman, tão
famoso na Índia quanto o casal Sternberg/Marlene, levará a cabo esse
roteiro de fidelidade e abandono até o fim. Sabemos que, após a morte
de Guru Dutt, Waheeda Rehman interrompeu abruptamente sua carreira
de atriz. Nesse sentido, o momento mais bonito do filme é quando o
cineasta fracassado retorna ao estúdio e, anonimamente, é empregado
como figurante para encontrar sua estrela face a face e passar no teste
de seu olhar.
Como regra geral, todos os planos que Guru Dutt interpreta são muito
cuidadosos: se enquadra à Welles, adota posições inverossímeis. O
resto deixa algo a desejar. A partir do momento em que a música
começa, a câmera se torna irreconhecível e o filme atinge uma beleza
que corta a respiração. Em um único plano, a face de uma estrela que
atrai toda a luz se coloca bruscamente contraluz. A cena em que o
cineasta entra no estúdio e diz a sua atriz que ele não pode amá-la
porque é casado é magnífica. Para mantê-lo, ela declara seu amor e
canta. Naquele momento, ouvimos a voz de Geeta Roy, a esposa de
Guru Dutt, que dubla as canções da protagonista. Nunca a dublagem, o
encontro entre uma voz diferente e uma imagem diferente, capturou de
tal forma a situação fictícia que se desenvolve. O último filme
produzido por Dutt (Baharen Phir Bhi Aayengi) está longe de ser a
obra-prima de que Micciollo fala. Acusa sobretudo as limitações do
filme anterior. O excesso de delírio se obscurece às vezes em uma miseen-scène pouco inventiva, sabiamente acadêmica, que reduz
consideravelmente o conteúdo de seu cinema. Dutt apenas dirigiu as
cenas musicais deste filme (que são muito bonitas). O remake do filme,
no entanto, é importante. Não é nada mais, nada menos que a versão
comercial de A sala de música, de Satyajit Ray: o declínio de uma casa
e da aristocracia. O filme retoma a construção de Flores de Papel e Dutt
faz o papel de testemunha servil do declínio. O dono da casa gasta seu
tempo e dinheiro com as bailarinas da corte. Sua esposa, para
reconquistá-lo, concorda em se encerrar juntamente com ele em sua
casa até a morte chegar. Meena Kumari, outra figura mítica do cinema
indiano, porque teve o mesmo destino de seu personagem, interpreta a
mulher. Ao ver o filme, sonhamos como teria sido se não tivéssemos na
direção a sombra de um Dutt diminuído por seus fracassos e pelo fato
de que seu trabalho, considerado demasiado comercial, não foi jamais
tomado a sério pela crítica. Entretanto, sem nenhuma dúvida, se trata de
um cineasta eminentemente atrativo e com talento. Mergulha o
espectador em uma vertigem insensata em que a vida, o ator e o
personagem estão perpetuamente implicados. Na qual cada vez o
espectador sai subjugado e seduzido.
Charles Tesson, «Découvrons Guru Dutt e Ritwik Ghatak! », Cahiers
du cinéma, nº 343, janeiro de 1983.
* Tradução: Beatriz Saar
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