MANK (2020)
Seis anos separavam Mank do último
filme de David Fincher, Garota Exemplar. Era, portanto, uma estreia esperada,
uma ótima oportunidade para Fincher provar mais uma vez a excelência que seus
filmes recentes têm demonstrado.
Até por isto, faltam palavras para
descrever a decepção desta biografia de Herman J. Mankiewicz. Não só isto, mas
também faltam palavras de um sentido mais técnico: é difícil descrever em
minúcias críticas quais foram, ponto a ponto, os erros do filme. Há muita coisa
nebulosa, desorganizada, claramente precária, mas difícil de ser esmiuçada.
No entanto, tentemos: me parece que
o principal “veneno” que corroeu as estruturas do filme reside numa espécie de
“simbólica” muito histriônica e malograda. O filme parece ser todo erigido em
torno de uma simbolização da antiga Hollywood e da vida de Mankiewicz que,
antes de ser uma boa ficção, é a pior das caricaturas.
Em primeiro lugar, o uso forçoso de
uma fotografia alla Kane ou à moda noir não parece nada orgânico. Há exageros
de contraste que se somam a exageros na composição do décor, tudo num intuito
claro de forçar, de modo bastante grosseiro, o entendimento do espectador a
perceber que “está-se fazendo uma bela homenagem aos clássicos”.
Em segundo lugar, a montagem parece
uma das coisas mais desleixadas que um diretor consagrado poderia fazer. Há
alguns cortes abruptos em imagens de memórias e os flashbacks parecem ser
desordenados propositalmente, tudo isto
para representar uma memória errática, mas o resultado é desastroso.
Essas centelhas das lembranças de Mank, quando montadas, parecem tão lacunares
que perdem qualquer força que poderiam ter. Mais uma vez há, aqui, um problema
de representação: o comprimento das imagens e a forma de sua disposição parecem
ter sido feitos para gerar uma caricatura dos acontecimentos, mas não para
expressar o verdadeiro peso que eles tiveram na vida do protagonista. A
impressão gerada é a de que os fatos são “jogados” aleatoriamente,
preguiçosamente, a nossa vista.
Um dado presente no filme, no
entanto, o salva do fracasso total. Se é verdade que Mank é um filme que, em
alguma medida, quer fazer justiça à memória do homem que influenciou
terminantemente um dos melhores filmes do mundo, seu único trunfo reside num
objeto, criado por Mankiewicz, e que foi decisivo para amarmos tanto assim
Citizen Kane: Rosebud. Em Mank não há trenós, mas este objeto de desejo a ser
perscrutado e reencontrado pelos espectadores é a vida do próprio Mankiewicz
que, sem dúvida, representaria um material interessante até no pior dos
roteiros. Sua vida atribulada, de doenças e vícios, sua relação com Welles e
sua redenção, na feitura do roteiro de Kane, são episódios caros a todos nós e,
mesmo mal representados, continuam atrativos.
O saldo final é bastante negativo,
claro. E mais parece, depois disso, que o verdadeiro interesse de Fincher hoje
é Mindhunter, sua bem-sucedida série de TV, na qual ele vêm exercendo, em
algumas incursões como diretor de episódios, experimentações eficazes que
relembram os melhores momentos de Zodíaco. Que volte para o cinema, mas sem a
preguiça que acometeu este último e profundo lapso de sua carreira.
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