sábado, 7 de abril de 2018

James Cameron e a Fantasia







        A relação entre o cinema de fantasia e a obra de James Cameron é, antes de qualquer abordagem mais intrínseca aos seus filmes, genética: é na continuação de um filme de Joe Dante que o cineasta fará a estreia na direção de longas-metragens; os efeitos especiais fazem parte integrante do início de sua carreira; por fim, é em contato com Roger Corman que firma uma de suas primeiras e decisivas impressões sobre o cinema fantástico, em Mercenários das Galáxias.

            No entanto, se há algo de hereditário que norteou, desde os primórdios de sua carreira, a veia fantásticas das narrativas de Cameron, é justo que também se tente discernir qual a relação própria entre o real e o fantástico disposta dentro de suas obras em particular.

            Neste sentido, é muito curioso que a sua carreira pareça se dividir em duas fases: a primeira é aquela na qual o caráter fantástico da narrativa só é verificado de modo consciente num ambiente exógeno à obra, na relação extrínseca que o filme estabelece com o espectador, onde este último o reconhece conscientemente como um exemplar de narrativa fantástica, consequentemente discernindo-o (não só por isso, mas também por isso) como um objeto admirável, um objeto que suscita interesse. E no que tange a este reconhecimento, ele se dá especificamente no momento em que certos elementos surgem nas obras, conferindo-lhes, a partir deste ponto, um tom de périplo, de “jornada fantástica”. Este surgimento, por sua vez, se dá de duas formas: quando algum elemento fantástico é inserido na ordinaridade do mundo (o Exterminador do Futuro que vem ao mundo atual; as piranhas que surgem na praia) ou quando personagens de um mundo ordinário resolvem se inserir num ambiente fantástico (The Abyss e Alien).

            A segunda fase de Cameron, ao contrário, apesar de conter a mesma verificação consciente, por parte do espectador, do filme enquanto jornada fantástica, carrega também este reconhecimento intrínseco na obra, por parte de alguns de seus personagens (geralmente os protagonistas e os coadjuvantes de maior relevância). Esta autoconsciência da narrativa fantástica é bastante clara em True Lies, Titanic e Avatar, os três últimos filmes de Cameron. No primeiro, um membro da CIA, cuja mulher acredita ser adúltero por passar muito tempo fora de casa supostamente trabalhando, resolve, para provar sua inocência, dar uma amostra, para a esposa, do que é o seu quotidiano de agente secreto. No terceiro, um paralítico encontra refúgio de um ambiente degradado e excludente num mundo dos sonhos, que ele avidamente deseja, onde seu corpo é substituído por um duplo, seu “avatar”. Em ambos os casos, é evidente a autoconsciência da obra em seu caráter fantástico e, ao mesmo tempo, a consciência dos personagens no adentramento de um mundo que não é propriamente o real.

            O segundo filme, no entanto, Titanic, é um caso curioso, que, ao se encaixar de modo singular nesta segunda categoria de consciência da fantasia, parece cumprir ainda melhor os objetivos da estética da primeira fase de Cameron que aqui delimitamos. Se aquela fase era a de uma consciência, por parte do espectador, da fantasia, com a consequente admiração em relação àquilo que é visto, em Titanic o desejo não é só da admiração da ação fantástica, mas de sermos nós mesmos os atores dela. A autoconsciência de Rose de estrar adentrando, durante seu enorme flashback, num mundo do passado, no ambiente da memória, e ao mesmo tempo, o convite que ela faz aos coadjuvantes que a ouvem contar o ocorrido, com um sugestivo “vocês estão prontos para ouvir isso?”, constituem um método de condução do espectador a participar de sua jornada por meio de detalhes formais bastante pontuais na obra (a câmera subjetiva na sequência final, onde Rose somos nós e nós somos ela, em sua última viagem pelo “navio dos sonhos”).

            É muito provavelmente por isso que se pode dizer que Titanic é o filme mais maduro de Cameron, aquele em que seus recursos formais de comunicação estética/narrativa em prol da imersão nas suas alegorias fantásticas sãos mais bem desenvolvidos e chegam a níveis de eficiência muito maiores. E, neste sentido, é muito instigante esperar pelo que vem por aí com os novos Avatares, que parecem ensaiar um rompimento com todos estes processos que aqui citamos.


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