terça-feira, 21 de agosto de 2018

Um Humor Sério, por Blake Edwards




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Um Humor Sério


Para Mister Cory me deram uma história que já havia sido publicado em uma revista, pedindo-me que a partir dela escrever e foi isso que eu fiz. Quando ele foi terminado, Tony Curtis, um de meus amigos mais próximos na época, insistiu para que eu próprio o realizasse. Acho que acompanhei com rigor o roteiro que escrevi. Quanto ao que eu tinha de verdade em mente acerca da realização, não saberia dizer. Isto já é uma história antiga. Mas sem dúvida procurei encontrar um humor um pouco particular e mesmo cáustico ou sério, o mesmo que me permitiu fazer Days of Wine and Roses. De fato, quando perguntaram a Jack Lemmon quem era o diretor que ele queria ter, ele apontou para mim. Disseram imediatamente que eu era um diretor de comédias antes de tudo e que o filme não seria adequado para mim, mas ele argumentou que eu tinha precisamente o que estava faltando aos personagens do roteiro: um humor sério. Isto é um ponto muito importante, pois a vida é cheia de coisas fortemente sérias. É justamente nos momentos mais dolorosos, dramáticos ou trágicos que temos toda a sorte de começar a rir. Sem dúvida é uma forma de defesa, ou qualquer coisa do gênero, diante da vida. Penso que é este o meu caso. Sempre procuro por algo que me divirta, principalmente porque o riso é uma espécie de proteção para mim. Digo isto de modo desajeitado, pois tenho horror a me analisar, mas creio que nesta constatação resida, contudo, algo de essencial.


The Pink Panther


Um filme fantástico, que foi uma primeira incursão ao lado de "Um tiro no escuro". Tomemos, por exemplo, a cena final de perseguição: eu poderia, a meu bel-prazer, estudá-la facilmente a partir do suspense, do sentimento de angústia, isto é, pela análise tradicional de uma cena parecida com milhares de outras do mesmo gênero já vistas no cinema. Mas, ao passar personagens vestidos de zebra, a cena assume um aspecto irrelista e, além disso, inédito. É esse tipo de humor que tenho procurado ao longo do filme em que os ladrões também se safam no final. O público vivencia tais situações como irrealistas e, portanto, não mais presos às noções de bem e de mal. Não importa quem deve prender e quem deve ser preso.

Eu não sei se um cineasta deve estar sempre na elaboração do roteiro, sou incapaz de generalizar, mas, particularmente, prefiro participar dela. Não há muitos roteiros realmente bons de comédia (ao menos, na minha opinião); e fico feliz em saber que isso não é uma dificuldade só minha. Eu já escrevia roteiros antes de trabalhar com Richard Quine, mas nossa parceria deu bons frutos: primeiro, que somos grandes amigos, segundo, porque aprendi muito vendo como ele punha meus textos na tela do cinema. O espetáculo dessa transposição me deu a possibilidade de ter um ponto de vista mais objetivo sobre os meus próprios filmes.


A Shot in the Dark


Fui levado a realizar um outro filme com Blake Edwards de maneira totalmente acidental, porque foi de última hora que me fizeram a proposta. De imediato, não gostei muito do roteiro e não tive tempo de muda-lo, porque precisávamos começar as filmagens de imediato. Não aceitaria, exceto se me concedessem mudar a construção do filme, centrando-a na figura de Clouseau, que me parecia ser amada pelo público que desejava revê-la. Foi uma escapatória fácil, sem dúvida, mas a única que me era permitida. Porque, seja qual for o roteiro, seja qual for a situação em que ele está, conheço Clouseau de tal modo que sempre sei como ele vai reagir. Posso colocá-lo em qualquer história desde que enxergue qual sua presença central nela. Assim, “A Shot in th Dark” e “The Pink Panther” são próximos na medida em que Clouseau os une como um ponto comum. Creio ter ido ainda mais longe nesse segundo filme, no sentido de se parecer com um desenho animado. Já fazia tempo que queria fazer uma experiência desse gênero: ver até onde poderíamos ir nessa categoria de filmes, como o público reagiria. Não se trata de dizer que é somente a esta forma de humor à qual me alio, mas é interessante reservar par ela um filme inteiro. E, neste âmbito, não se pode negligenciar nenhuma forma de experimentação, por todas as partes. Mas “A Shot in the Dark” foi somente um mero ensaio. “The Great Race” é um filme ainda mais estilizado. Ainda assim,  em “A Shot in th Dark” e “The Pink Panther”, o personagem encarnado por Peter Sellers é um personagem de desenho animado porque tem algo de caricatural e, neste sentido, de sobre-humano, graças à estilização. Isto porque as situações em que ele se projeta são, em si mesmas, exageradas, mais tresloucadas do que as da vida, como num desenho animado. Ele não pode dominá-las, mesmo sendo um investigador; são coisas que escapam a ele. Está aí aquilo que evoca os desenhos animados: Clouseau não está aí senão para realizar o impossível e o sobre-humano. As situações nas quais o coloco têm um aspecto encantador, porque ele sempre age em locais onde reina um extremo bem-estar, uma sofisticação desmesurada, e o choque produzido pela inserção de Clouseau neste universo é, acredito eu, algo bastante frutuoso. Um universo que não está desprovido de charme feminino, porque é necessário que Clouseau tenha um grande poder sobre as mulheres. Ele se considera um romântico, um grande sedutor, assim como crê ser o maior detetive do mundo ou um conhecedor de todas as coisas. Evidentemente, não é nada disso, mas também não é um bobo qualquer, e ensaia ser tudo aquilo com que sonha. Essa é sua grandeza e a fonte da comédia.


Mancini


Foi através de “Mister Cory” que trabalhei com ele pela primeira vez. Ele já tinha uma música pra o filme, mas pensei que era necessário um tema complementar para Cory, em específico. Fiz um sinal para Henry, a quem pedi algo moderno, diferente do que já havia sido feito. Seu trabalho me agradou muito. Mais tarde, enquanto trabalhava em duas séries de televisão, “Peter Gun” e “Mister Lucky”, encontrei Henry e perguntei se ele queria escrever a música. Ele concordou e me disse que seria jazz. O resultado provou que eu estava certo em confiar nele e, desde então, ele continuou a afirmar-se como um dos nossos melhores compositores.


The Great Race


Jack Lemmon interpreta o papel de vilão, o Professor Fate, sempre vestido de preto. É um personagem que prepara ao longo do filme sua própria desventura. Existem algumas coisas realmente incríveis: por exemplo, em um momento, o professor cai no chão com sua máquina voadora, que não vemos, mas ouvimos o barulho da explosão ensurdecedora. Apesar disso, ele sobrevive e, a partir da cena seguinte, voa para novas catástrofes. Essa dimensão irrealista, porque desafia o determinismo, remonta muito ao desenho animado. Eu acredito que ela está presente no “The Great Race” ainda mais do que nos meus filmes anteriores.



(Blake Edwards; material recolhido em gravações por Serge Daney e Jean-Louis Noames, Cahiers du Cinéma, n. 166/167, maio/junho de 1967, p. 85-86; tradução: Beatriz Sar, Douglas Estevam e Yuri Ramos)

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