Um Humor Sério
Para
Mister Cory me deram uma história que
já havia sido publicado em uma revista, pedindo-me que a partir dela escrever e
foi isso que eu fiz. Quando ele foi terminado, Tony Curtis, um de meus amigos
mais próximos na época, insistiu para que eu próprio o realizasse. Acho que
acompanhei com rigor o roteiro que escrevi. Quanto ao que eu tinha de verdade
em mente acerca da realização, não saberia dizer. Isto já é uma história
antiga. Mas sem dúvida procurei encontrar um humor um pouco particular e mesmo
cáustico ou sério, o mesmo que me permitiu fazer Days of Wine and Roses. De fato, quando perguntaram a Jack Lemmon
quem era o diretor que ele queria ter, ele apontou para mim. Disseram
imediatamente que eu era um diretor de comédias antes de tudo e que o filme não
seria adequado para mim, mas ele argumentou que eu tinha precisamente o que
estava faltando aos personagens do roteiro: um humor sério. Isto é um ponto
muito importante, pois a vida é cheia de coisas fortemente sérias. É justamente
nos momentos mais dolorosos, dramáticos ou trágicos que temos toda a sorte de
começar a rir. Sem dúvida é uma forma de defesa, ou qualquer coisa do gênero,
diante da vida. Penso que é este o meu caso. Sempre procuro por algo que me
divirta, principalmente porque o riso é uma espécie de proteção para mim. Digo
isto de modo desajeitado, pois tenho horror a me analisar, mas creio que nesta
constatação resida, contudo, algo de essencial.
The
Pink Panther
Um
filme fantástico, que foi uma primeira incursão ao lado de "Um tiro no
escuro". Tomemos, por exemplo, a cena final de perseguição: eu poderia, a
meu bel-prazer, estudá-la facilmente a partir do suspense, do sentimento de
angústia, isto é, pela análise tradicional de uma cena parecida com milhares de
outras do mesmo gênero já vistas no cinema. Mas, ao passar personagens vestidos
de zebra, a cena assume um aspecto irrelista e, além disso, inédito. É esse
tipo de humor que tenho procurado ao longo do filme em que os ladrões também se
safam no final. O público vivencia tais situações como irrealistas e, portanto,
não mais presos às noções de bem e de mal. Não importa quem deve prender e quem
deve ser preso.
Eu
não sei se um cineasta deve estar sempre na elaboração do roteiro, sou incapaz
de generalizar, mas, particularmente, prefiro participar dela. Não há muitos
roteiros realmente bons de comédia (ao menos, na minha opinião); e fico feliz
em saber que isso não é uma dificuldade só minha. Eu já escrevia roteiros antes
de trabalhar com Richard Quine, mas nossa parceria deu bons frutos: primeiro,
que somos grandes amigos, segundo, porque aprendi muito vendo como ele punha
meus textos na tela do cinema. O espetáculo dessa transposição me deu a
possibilidade de ter um ponto de vista mais objetivo sobre os meus próprios
filmes.
A
Shot in the Dark
Fui
levado a realizar um outro filme com Blake Edwards de maneira totalmente
acidental, porque foi de última hora que me fizeram a proposta. De imediato,
não gostei muito do roteiro e não tive tempo de muda-lo, porque precisávamos
começar as filmagens de imediato. Não aceitaria, exceto se me concedessem mudar
a construção do filme, centrando-a na figura de Clouseau, que me parecia ser
amada pelo público que desejava revê-la. Foi uma escapatória fácil, sem dúvida,
mas a única que me era permitida. Porque, seja qual for o roteiro, seja qual
for a situação em que ele está, conheço Clouseau de tal modo que sempre sei
como ele vai reagir. Posso colocá-lo em qualquer história desde que enxergue
qual sua presença central nela. Assim, “A Shot in th Dark” e “The Pink Panther”
são próximos na medida em que Clouseau os une como um ponto comum. Creio ter
ido ainda mais longe nesse segundo filme, no sentido de se parecer com um
desenho animado. Já fazia tempo que queria fazer uma experiência desse gênero:
ver até onde poderíamos ir nessa categoria de filmes, como o público reagiria.
Não se trata de dizer que é somente a esta forma de humor à qual me alio, mas é
interessante reservar par ela um filme inteiro. E, neste âmbito, não se pode
negligenciar nenhuma forma de experimentação, por todas as partes. Mas “A Shot
in the Dark” foi somente um mero ensaio. “The Great Race” é um filme ainda mais
estilizado. Ainda assim, em “A Shot in
th Dark” e “The Pink Panther”, o personagem encarnado por Peter Sellers é um
personagem de desenho animado porque tem algo de caricatural e, neste sentido,
de sobre-humano, graças à estilização. Isto porque as situações em que ele se
projeta são, em si mesmas, exageradas, mais tresloucadas do que as da vida,
como num desenho animado. Ele não pode dominá-las, mesmo sendo um investigador;
são coisas que escapam a ele. Está aí aquilo que evoca os desenhos animados:
Clouseau não está aí senão para realizar o impossível e o sobre-humano. As
situações nas quais o coloco têm um aspecto encantador, porque ele sempre age
em locais onde reina um extremo bem-estar, uma sofisticação desmesurada, e o
choque produzido pela inserção de Clouseau neste universo é, acredito eu, algo
bastante frutuoso. Um universo que não está desprovido de charme feminino,
porque é necessário que Clouseau tenha um grande poder sobre as mulheres. Ele
se considera um romântico, um grande sedutor, assim como crê ser o maior
detetive do mundo ou um conhecedor de todas as coisas. Evidentemente, não é
nada disso, mas também não é um bobo qualquer, e ensaia ser tudo aquilo com que
sonha. Essa é sua grandeza e a fonte da comédia.
Mancini
Foi
através de “Mister Cory” que trabalhei com ele pela primeira vez. Ele já tinha
uma música pra o filme, mas pensei que era necessário um tema complementar para
Cory, em específico. Fiz um sinal para Henry, a quem pedi algo moderno,
diferente do que já havia sido feito. Seu trabalho me agradou muito. Mais
tarde, enquanto trabalhava em duas séries de televisão, “Peter Gun” e “Mister
Lucky”, encontrei Henry e perguntei se ele queria escrever a música. Ele
concordou e me disse que seria jazz. O resultado provou que eu estava certo em
confiar nele e, desde então, ele continuou a afirmar-se como um dos nossos
melhores compositores.
The
Great Race
Jack
Lemmon interpreta o papel de vilão, o Professor Fate, sempre vestido de preto.
É um personagem que prepara ao longo do filme sua própria desventura. Existem
algumas coisas realmente incríveis: por exemplo, em um momento, o professor cai
no chão com sua máquina voadora, que não vemos, mas ouvimos o barulho da
explosão ensurdecedora. Apesar disso, ele sobrevive e, a partir da cena
seguinte, voa para novas catástrofes. Essa dimensão irrealista, porque desafia
o determinismo, remonta muito ao desenho animado. Eu acredito que ela está
presente no “The Great Race” ainda mais do que nos meus filmes anteriores.
(Blake
Edwards; material recolhido em gravações por Serge Daney e Jean-Louis Noames, Cahiers du Cinéma, n. 166/167,
maio/junho de 1967, p. 85-86; tradução: Beatriz Sar, Douglas Estevam e Yuri
Ramos)
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