sexta-feira, 9 de junho de 2017

O Conto de Zatoichi (1962)




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O Conto de Zatoichi (1962)



Poderiam chamar este primeiro capítulo da saga Zatoichi pelo nome do filme de Lang, “A Morte Cansada”. Parece improvável, mas são filmes que tratam mais ou menos da mesma coisa: a dificuldade em permanecer matando quem, por vezes, não merece morrer.

Há um espadachim cego, Zatoichi, famoso por suas habilidades com a espada a despeito de sua invalidez. Em Sasagawa, Zatoichi é alojado na casa de um senhor oportunista, que quer aproveitar-se de seu virtuosismo de espadachim para vencer uma guerra injusta. Nos arredores do local, o protagonista descobre um amigo, também inválido a seu modo, acometido de uma doença mortal. Também espadachim. Seus destinos, a partir daí, estarão fatalmente cruzados e, ambos amigos, estarão de lados opostos na guerra estúpida que eles mesmos repudiam.

Há, então, um problema: sabemos que Zatoichi terá de matar. Matar alguns homens e, acima destes, um homem bom, um homem pelo qual nutria grande afeto.  E o filme é, inteiro, este aguardo, o aguardo pelas mortes proporcionadas, a contragosto, pelo anti-herói. É o aguardo justamente pelo contragosto e é o aguardo pela importância tamanha deste pequeno gesto de ceifa que se dá quando Zatoichi, em poucos movimentos, empunha a espada para desferir seus golpes fatais, enquanto a câmera não pode fazer nada além de, quase imóvel, observar os poucos segundos que se passam entre a vida e a morte dos coitados que cruzam o seu caminho e o desafiam.

É por isto que “O Conto de Zatoichi” é, antes de tudo, um filme de pequenos gestos (ou de um pequeno gesto: o gesto de matar). E, estranhamente, é, ainda, um filme de ação. Não somente pela apreciação, pela contemplação destes gestos, destas ações (fosse só por isso, Mizoguchi teria sido o maior dos diretores de ação). Mas justamente porque toda a ausência de atos nele contida, todo o preparo, toda a tensão se dirige única e exclusivamente ao propósito de dar vida e sentido àquelas ceifas que o protagonista tanto hesita em fazer. É, portanto, um filme que circunda o tempo inteiro um ato, que é o ato de matar.

Mas dizia eu que este filme poderia ser chamado “A Morte Cansada”. E só pode ser assim chamado pela dor que acomete Zatoichi pela morte inevitável de um justo (o seu amigo), perpetrada por suas próprias mãos, e pelo cansaço que o acomete não só diante de sua condição de ceifador de vidas, mas da guerra imbecil, do mundo imbecil e incurável que lhe passa diante dos olhos (mesmo que ele não veja, ele sente. E nós, nós vemos). Mas Zatoichi, que é cego como a Justiça, é, também ele, um justo e faz, do seu duro ofício, uma justificação: dá ao amigo a honra de morrer lutando e não como um doente; dá fim à guerra, mas também mostra, àqueles que a fizeram, sua inutilidade; por fim, acaba por matar, já sem a honra da espada, o assassino de uma mulher à qual engravidara, que, da mesma maneira que sua vítima, afoga-se.

“O Conto de Zatoichi” é, desta maneira, um filme de morte e de justiça. Um filme de ação. Mas também de honra e daqueles que estão prontos a fazer, dolorosamente, o que deve ser feito.

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