Mirliflores
e Becassines[1]
O
grotesco é um gênero mais do que fácil. Ele demanda mais sensibilidade que
inteligência e tantos diretores, entre os mais consagrados, quebram seus lombos
com isso. Impossível, aqui, enganar, para se exilar na torre de marfim dos
incompreendidos. Não obtenha os efeitos desejados, se os seus palhaços não
perturbarem ninguém, e você passará, é justo, por um tolo ou, até, por um
desajeitado. Dura lei, certamente, mas que permite julgar um cineasta.
Não
merece sucesso na comédia senão aquele que a leva a sério, tática mil vezes
mais eficaz que aquela de ironizar e de no drama. É por isso que um Tashlin bem
informado vale por dois Billy Wilder. O fato é que não se aprende a fazer os
truques do melhor gagman de Bob Hope (O Filho do Treme-Treme). E seria melhor
pensar mil vezes antes de querer dizer que O Tenente Era Ela é uma mera cópia,
enquanto o realizador de Romance de Minha Vida é um original, um certo
malfeitor que se dá ao luxo de imitar os bobos de Wilder como Fangio imita
Porfirio Rubiosa; ele é mais hábil, não é esnobe, no enquadramento vai mais
rápido, e, assim, vai mais longe; não nasceu ontem.
O
Tenente Era Ela, no estilo do Voltaire de Candide ou do Hitchcock de Rich and
Strange, se perde nas desventuras de um casal de idiotas, cujo amor imenso leva
às brigas do lar e, depois, à ruptura. Imaginem Bécassine e o jovem mais bobo
que lhes vier à mente, procurando demonstrar que se adoram e, justamente por
isso, acabam por se odiar rapidamente. A felicidade não é alegre, diz Max
Ophüls, porque a alegria é o contrário da felicidade, assegura Frank Tashlin.
Artistas e Modelos não o deixa negar: não há filme mais desolador, se humor
mais atroz, mais cáustico, onde a riqueza da invenção agrava a cada segundo a
pobreza de situações: o espectador ri, desconfortável no início, num riso
forçado, experimentando da vergonha; ri de novo, mecanicamente, preso numa
implacável engrenagem de tolices, e acaba por gargalhar porque “isso não era
engraçado, afinal”. Gargalhada breve, no cume da estupidez, mas um cume do
mesmo gênero que em Bouvard e Pécuchet.
Mas voltemos ao nosso ponto de partida. Sem
ideia de partida, justamente, em Frank Tashlin. Está aí a originalidade. Só o
que conta é a partida, uma cena ao extremo limite do absurdo, no louco e feroz
universo do Pim, Pam, Poum de nossa infância.
Se
vê que Tashlin guarda o melhor de Lubitsch, de Cluny Brown e To Be or Not To
Be. A comédia americana está morta. Que seja.
Viva
a comédia americana.
(Jean-Luc
Godard, Cahiers du Cinéma, n. 62, agosto-setembro de 1956, p. 47-48. Tradução:
Yuri Ramos)
[1] Mirliflore – Palavra intraduzível
para o português, do francês arcaico, que designa “aquele que aparenta ser mil
flores” (daí a etimologia da palavra). Em suma, caracteriza aquele que, por seu
charme e elegância, brilha, ou procura brilhar.
Bécassine – Personagem principal de um quadrinho
infantil francês.
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