domingo, 16 de dezembro de 2018

Under the Silver Lake (2018)



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            A crítica ao capitalismo, ao mercado, ao consumo de massas e suas futilidades é algo que não está no cinema desde hoje; e disto todos nós sabemos. Mas hoje há uma tendência específica, tímida, mas relevante, na forma como são constituídas as obras cinematográficas enquanto objetos e signos eivados deste intento: uma espécie de redundância esquizofrênica, que pretende censurar em alguma instância a futilidade, mas que insiste em tecer, para isso, narrativas que nada mais são do que a persecução das experiências quotidianas de personagens que, caricaturalmente, encarnam o tipo médio do indivíduo que compartilha de todas as futilidades criticadas. É um exercício estranho, para dizer o mínimo: usar todo o tempo de projeção a acompanhar a vida de gente medíocre e mesquinha, absolutamente abjeta, aparentemente reconhecendo que “há algo de errado naquilo”.

            No entanto, não há nada de estranho. Estes filmes só perseguem, do início ao fim, a vida dos fúteis porque tentam compreendê-las. São condescendentes e querem saber “onde começa o erro destas pessoas”, dos adolescentes comuns, vítimas do mundo cor-de-rosa do consumismo, como os protagonistas asquerosos do “Bling Ring” de Coppola. No fim, não há, neles, posicionamento crítico senão “autocrítico”: se a condescendência nada mais é do que reconhecer a humanidade mesmo nos desumanos, ela também é aceitar, nestes filmes, que todos nós podemos errar e sucumbirmos de corpo e alma às ondas da moda, da cultura e do mercado onde todos estamos inseridos.

            Esta autocrítica termina, porém, numa espécie de confissão: “somos fúteis, gostamos um pouco disto. Nossos personagens são exageros, exacerbos, caricaturas, mas temos um pouco deles e nos interessamos por suas vidas”. E é neste ponto que todos estes filmes tornam-se monumentos enojantes de louvor às inutilidades, a encarnação de seus próprios pesadelos. No fundo são a crença fetichista e doentia de que, sim, é interessante assistir, como no já citado filme de Coppola, à cleptomania de filhinhos-de-papai que não se contentam em ser menos que Paris Hilton. São como os programas de fofocas das televisões ou os telejornais que vivem das desgraças, dos esquartejamentos alheios, mas são ainda piores, porque insinceros e arrogantes, travestidos de consciência política e social (vejam só, que bonito)!

              E tudo isto é o que é o mais recente filme de David Robert Mitchell, “Under the Silver Lake”.

Uma paródia nonsense, pretensamente cômica, de uma colcha de retalhos das mais rasas referências cinéfilas e da cultura popular, o filme é um culto ao que de mais medíocre há na juventude pseudo-culta do século XXI. O desfile de vaidades: uma placa enorme com o (santo e aqui profanado) nome de Hitchcock, inúmeros cartazes de filmes nas casas dos personagens, revistas Playboy e os malditos vinis de bandas novas para aparentar o tão famoso “vintage”.   

            Além disto, parece que Mithcell é incapaz de constituir um plano sequer, durante mais de 130 minutos de projeção, que consiga decupar os espaços cênicos sem que pareça acometido de uma afetação forçosa, criada para aparentar o mundo distópico e extremamente individualizado do protagonista: são ângulos dos mais grotescos que a câmera tange nas cenas de dança, o terrível plano inicial com a frase de efeito pintada na vidraça, que termina no rosto Adrew Garfield, um tanto sonolento, numa aparência ridícula, premissa do que teremos de enfrentar a partir dali: as viagens imaginárias dignas de um usuário de drogas.

            No fim, “Under the Silver Lake”, na sua inutilidade congênita, na sua ode à vaidade, é ele, também, um filme vaidoso, de um diretor arrogante, mas parcamente ignorante, que num ímpeto acumulador amontoa a seu bel prazer referências culturais e cinéfilas, esbanja, para quem quiser ver, o seu conhecimento baixo, que considera digno de algum louvor, de alguma inteligência, como se as pretensões ridículas dos périplos de seu herói imbecil fossem as mesmas suas, de pular “de galho em galho” entre uma e outra referência, divertindo o espectador ao ver na tela nomes dos já pré-históricos artigos de museu: James Dean, Janet Gaynor e, é claro, Alfred Hitchcock.

            Curiosamente, o último filme de Mitchell, “Corrente do Mal” foi um êxito e também um êxito de humildade. Como este “Silver Lake”, era um filme de resgate a gêneros um tanto esquecidos no circuito comercial norte-americano: se o filme mais novo é um neo-noir, “It Follows” era um slasher, mas não uma acumulação cinéfila arrogante, um slasher original, que não devia muito ao passado, permeado de planos enigmáticos, alguns muito belos, e cuja interessante premissa (um assassino abstrato, “it”, que persegue, como a justiça e a culpa, os pecadores) havia sido bem desenvolvida. E isto é uma lição, afinal de contas. Para Mitchell, que andou incursionando tanto pela teologia quanto pelas referências internas à cultura, fica a máxima: os humildes serão exaltados.

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