ALGUNS
FILMES ESQUECIDOS – PARTE II
JULES
VERNE & TARZAN
The
Mysterious Island (1929), por Jayme Chaves
The Mysterious Island (1929), baseado
no romance homônimo de Júlio Verne, foi uma produção conturbada. O diretor
escalado inicialmente para dirigi-la, Maurice Tourneur, foi substituído por
Benjamin Christensen, que por sua vez cedeu o lugar para Lucien Hubbard. Seu
roteiro foi reescrito várias vezes e, devido a inúmeros contratempos, levou
três anos para ser concluído. John Ernest Williamson, que deveria ser o
responsável por filmagens submarinas, tal como no 20.000 Leagues Under the Sea
de 1916, mais uma vez nas Bahamas. Terminou por afastar-se do projeto e,
consequentemente, a maioria das cenas foram filmadas em um tanque. O grande
apelo publicitário, além dos nomes de Júlio Verne e do ator principal, Lionel
Barrymore, era um trunfo tecnológico: seria o primeiro filme falado fotografado
em Technicolor. O que terminou por se tornar uma meia-verdade: o filme era um
híbrido, com apenas dez minutos de diálogos falados, e com várias cenas
filmadas em preto-e-branco, e com
intertítulos, o que contribuiu para a sua morna recepção do.
O
que torna esta película interessante para o espectador interessado ou
familiarizado com as tendências mais recentes da ficção científica, como o
retrofuturismo, é que seu roteiro baseia-se exclusivamente em um único
determinado trecho do romance original, ignorando todo o resto. O trecho, que
consta no capítulo XVI da terceira parte de L’île mystérieuse, é a narrativa das origens do Capitão Nemo,
príncipe indiano cujo nome verdadeiro era Dakkar, filho do rajá do Bundelkund,
território então independente do domínio inglês. Apesar de educado na Europa e
aparentemente levar uma vida ociosa, transitando pela alta sociedade
internacional, acalentava secretamente o sonho de libertar a nação indiana do
jugo britânico. Principal mentor, na ficção contrafactual de Verne, da Revolta
dos Sipaios de 1857, sua família foi massacrada e sua cabeça posta a prêmio.
Homem de ciência, milionário, construiu o submarino Nautilus e afastou-se da vida em terra, passando a desbravar as
profundezas do oceano e apoiar as nações que lutavam por independência.
No filme de 1929, em vez da Índia,
temos o fictício reino eslavo de Hetvia; Dakkar tem André como prenome e é um
Conde; em sua ilha-fortaleza, uma espécie de estado paralelo, constrói não
apenas um único submarino, mas dois, e nenhum deles se chama Nautilus. O problema político é um
golpe de estado liderado pelo Barão Falon, que procura apropriar-se dos
submarinos e utilizá-los como armas de guerra. As cenas da invasão da ilha
pelos hussardos leais a Falon remetem ao visual do cinema soviético em voga na
época. O início, em particular, descreve Hetvia como um país “turbulento como
as ondas que se quebram em suas costas rochosas”. As imagens das ondas
fundem-se com imagens de camponeses em revolta, um truque de montagem típico do
cinema produzido na antiga URSS, embora realizado de modo menos sofisticado. Em
sequência, durante a fuga de Dakkar em um dos submarinos, temos a descoberta de
um reino nas profundezas, habitado por estranhos antropoides aquáticos, polvos
gigantes e répteis pré-históricos. Após a derrota dos revoltosos, Dakkar,
ferido de morte e desgostoso com o provável uso maléfico de suas invenções,
destrói seus laboratórios e embarca sozinho em um dos submarinos, desaparecendo
sob as águas.
O interessante no enredo é, antes de
mais nada, a recuperação parcial da ideia inicial de Verne: Dakkar é um nobre,
se não polonês, pelo menos eslavo. A Rússia surge no filme metaforizada como um
país fictício, mas as alusões estéticas ao cinema soviético deixam evidente que
o reino de Hetvia é a Rússia comunista. Em segundo lugar, o filme cria uma
versão alternativa da história original, prática recorrente da literatura steampunk, e também uma versão
alternativa do século XIX. E, por último, antecipa outra prática recorrente da
literatura e do cinema de entretenimento contemporâneos: abolindo todo o enredo
do romance com exceção do pequeno trecho onde as origens de Nemo são narradas,
cria uma história pregressa, um prequel
da história original. Pois não fica claro, ao final da película, se Dakkar de
fato morreu. Pode-se especular sua futura ressurreição como Capitão Nemo, que
rompe com a humanidade e passa a habitar as profundezas dos mares, aliás como
acontece de fato na história de Verne.
Tarzan
and his Mate (1934), por Yuri Ramos
Desde já, uma informação curiosa:
Walter Hugo Khouri, numa entrevista, atribuíra a este filme uma influência em
sua juventude cinéfila, que o levou a realizar, tais e quais, seus filmes
iniciais de verve aventureira. Completava dizendo: “É o melhor filme de
Tarzan”!
Não deve estar enganado. Um filme
exuberante, concebido por um diretor de arte que, num lampejo de genialidade,
constituiu sua única preciosidade como realizador (Cedric Gibbons só dirigiu
esta película, o que se contrasta com seu currículo espantoso de mais de 1100
filmes na direção de arte). Em grande
parte, isto se deve ao seu realismo. Como já disse no último número desta
coluna sobre “Valley of the Kings”, este é o mesmo realismo fantástico que
algumas vezes encontramos em DeMille, cujas imagens gloriosas se constroem não
como edifícios de artificialidade, mas como imitação espantosamente fidedigna
dos portentos da realidade. Aqui, os animais da floresta onde habita Tarzan
parecem adquirir tonalidades humanas, de tão treinados e cuja ação se insere em
cena tal e qual as ações dos atores humanos. Há ainda a enormidade de
figurantes na cena da captura dos marfins e a longa, tão bela e tão
naturalizada, cena do protagonista e sua companheira, Jane, a nadarem num lago.
Todos esses momentos são colossos de
beleza que se entrelaçam uns aos outros, cujas cenas se concentram no
virtuosismo das ações (seja do nadar no lago cristalino ou do roubo coordenado
de uma multidão de caçadores de elefantes), entremeando-as muito mais numa
continuidade imagética (e, neste sentido, formalista, “das formas empregadas na
composição das imagens”) do que narrativa.
É,
enfim, um filme de ação. E mesmo que não seja uma obra-prima, que se comprometa
por alguns diálogos fáceis e qualquer gratuidade no roteiro, permanece uma
grande redescoberta a ser feita. Walter Hugo Khouri, afinal, foi um bom
cinéfilo!
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