sábado, 9 de março de 2019

Alguns filmes esquecidos - Parte II



ALGUNS FILMES ESQUECIDOS – PARTE II
JULES VERNE & TARZAN



The Mysterious Island (1929), por Jayme Chaves


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The Mysterious Island (1929), baseado no romance homônimo de Júlio Verne, foi uma produção conturbada. O diretor escalado inicialmente para dirigi-la, Maurice Tourneur, foi substituído por Benjamin Christensen, que por sua vez cedeu o lugar para Lucien Hubbard. Seu roteiro foi reescrito várias vezes e, devido a inúmeros contratempos, levou três anos para ser concluído. John Ernest Williamson, que deveria ser o responsável por filmagens submarinas, tal como no 20.000 Leagues Under the Sea de 1916, mais uma vez nas Bahamas. Terminou por afastar-se do projeto e, consequentemente, a maioria das cenas foram filmadas em um tanque. O grande apelo publicitário, além dos nomes de Júlio Verne e do ator principal, Lionel Barrymore, era um trunfo tecnológico: seria o primeiro filme falado fotografado em Technicolor. O que terminou por se tornar uma meia-verdade: o filme era um híbrido, com apenas dez minutos de diálogos falados, e com várias cenas filmadas em preto-e-branco, e com intertítulos, o que contribuiu para a sua morna recepção do.

O que torna esta película interessante para o espectador interessado ou familiarizado com as tendências mais recentes da ficção científica, como o retrofuturismo, é que seu roteiro baseia-se exclusivamente em um único determinado trecho do romance original, ignorando todo o resto. O trecho, que consta no capítulo XVI da terceira parte de L’île mystérieuse, é a narrativa das origens do Capitão Nemo, príncipe indiano cujo nome verdadeiro era Dakkar, filho do rajá do Bundelkund, território então independente do domínio inglês. Apesar de educado na Europa e aparentemente levar uma vida ociosa, transitando pela alta sociedade internacional, acalentava secretamente o sonho de libertar a nação indiana do jugo britânico. Principal mentor, na ficção contrafactual de Verne, da Revolta dos Sipaios de 1857, sua família foi massacrada e sua cabeça posta a prêmio. Homem de ciência, milionário, construiu o submarino Nautilus e afastou-se da vida em terra, passando a desbravar as profundezas do oceano e apoiar as nações que lutavam por independência.

            No filme de 1929, em vez da Índia, temos o fictício reino eslavo de Hetvia; Dakkar tem André como prenome e é um Conde; em sua ilha-fortaleza, uma espécie de estado paralelo, constrói não apenas um único submarino, mas dois, e nenhum deles se chama Nautilus. O problema político é um golpe de estado liderado pelo Barão Falon, que procura apropriar-se dos submarinos e utilizá-los como armas de guerra. As cenas da invasão da ilha pelos hussardos leais a Falon remetem ao visual do cinema soviético em voga na época. O início, em particular, descreve Hetvia como um país “turbulento como as ondas que se quebram em suas costas rochosas”. As imagens das ondas fundem-se com imagens de camponeses em revolta, um truque de montagem típico do cinema produzido na antiga URSS, embora realizado de modo menos sofisticado. Em sequência, durante a fuga de Dakkar em um dos submarinos, temos a descoberta de um reino nas profundezas, habitado por estranhos antropoides aquáticos, polvos gigantes e répteis pré-históricos. Após a derrota dos revoltosos, Dakkar, ferido de morte e desgostoso com o provável uso maléfico de suas invenções, destrói seus laboratórios e embarca sozinho em um dos submarinos, desaparecendo sob as águas.

            O interessante no enredo é, antes de mais nada, a recuperação parcial da ideia inicial de Verne: Dakkar é um nobre, se não polonês, pelo menos eslavo. A Rússia surge no filme metaforizada como um país fictício, mas as alusões estéticas ao cinema soviético deixam evidente que o reino de Hetvia é a Rússia comunista. Em segundo lugar, o filme cria uma versão alternativa da história original, prática recorrente da literatura steampunk, e também uma versão alternativa do século XIX. E, por último, antecipa outra prática recorrente da literatura e do cinema de entretenimento contemporâneos: abolindo todo o enredo do romance com exceção do pequeno trecho onde as origens de Nemo são narradas, cria uma história pregressa, um prequel da história original. Pois não fica claro, ao final da película, se Dakkar de fato morreu. Pode-se especular sua futura ressurreição como Capitão Nemo, que rompe com a humanidade e passa a habitar as profundezas dos mares, aliás como acontece de fato na história de Verne.


Tarzan and his Mate (1934), por Yuri Ramos


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            Desde já, uma informação curiosa: Walter Hugo Khouri, numa entrevista, atribuíra a este filme uma influência em sua juventude cinéfila, que o levou a realizar, tais e quais, seus filmes iniciais de verve aventureira. Completava dizendo: “É o melhor filme de Tarzan”!

            Não deve estar enganado. Um filme exuberante, concebido por um diretor de arte que, num lampejo de genialidade, constituiu sua única preciosidade como realizador (Cedric Gibbons só dirigiu esta película, o que se contrasta com seu currículo espantoso de mais de 1100 filmes na direção de arte).  Em grande parte, isto se deve ao seu realismo. Como já disse no último número desta coluna sobre “Valley of the Kings”, este é o mesmo realismo fantástico que algumas vezes encontramos em DeMille, cujas imagens gloriosas se constroem não como edifícios de artificialidade, mas como imitação espantosamente fidedigna dos portentos da realidade. Aqui, os animais da floresta onde habita Tarzan parecem adquirir tonalidades humanas, de tão treinados e cuja ação se insere em cena tal e qual as ações dos atores humanos. Há ainda a enormidade de figurantes na cena da captura dos marfins e a longa, tão bela e tão naturalizada, cena do protagonista e sua companheira, Jane, a nadarem num lago.

            Todos esses momentos são colossos de beleza que se entrelaçam uns aos outros, cujas cenas se concentram no virtuosismo das ações (seja do nadar no lago cristalino ou do roubo coordenado de uma multidão de caçadores de elefantes), entremeando-as muito mais numa continuidade imagética (e, neste sentido, formalista, “das formas empregadas na composição das imagens”) do que narrativa.

É, enfim, um filme de ação. E mesmo que não seja uma obra-prima, que se comprometa por alguns diálogos fáceis e qualquer gratuidade no roteiro, permanece uma grande redescoberta a ser feita. Walter Hugo Khouri, afinal, foi um bom cinéfilo!

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