ALGUNS
FILMES ESQUECIDOS
WITNEY, PIROSH & Co.
A partir desta semana, o The Forbidden Past inaugura uma coluna destinada exclusivamente a
uma de suas vocações, que é a da divulgação de diretores e filmes que padecem
injustamente de certo ostracismo. Regularmente haverá a publicação de pequenos
textos sobre “alguns filmes esquecidos”, mas que merecem certa atenção. Seguem, sem mais delongas, os comentários
desta primeira semana.
***
Valley
of Kings (1954)
Robert Pirosh foi roteirista em dezenas de seriados e
filmes, entre os quais alguns filmes com os irmãos Marx e ao menos uma
obra-prima, “I Married a Witch”, de René Clair. Sua carreira como diretor, no
entanto, foi bastante curta. “Valley of Kings” é o terceiro de seus cinco únicos
filmes, a história de uma mulher obcecada em seguir os rumos do pai e descobrir
no Vale dos Reis a tumba de Ra-Hotep, um antigo faraó que, segundo ela, teria
aspirações cristãs ainda desconhecidas pela maioria dos historiadores. Para sua
empreitada, se alia a um aventureiro, que, com ela, passa viver numa rede de
intrigas e traições daqueles que, supostamente, eram seus aliados.
DeMille já havia, nos anos 1910, nos deixado a lição de
que uma das maiores formas de se constituir um mundo de fantasia é pelo
realismo. Assim fez nas escadarias enormes do templo asteca em “The Woman God
Forgot” e parece que há algo disto no Egito captado por Pirosh. A cena da
tempestade de areia é absurdamente realística e um evento de grande beleza.
Além disso, há ainda a fluidez do enredo (que correria os
riscos de parecer condensado demais nos menos que 90 minutos de projeção), as
imagens dos planos abertos de um Egito deslumbrante e perdido no tempo, algumas
fotografadas com certa complexidade estilística, como se valorizassem, a
despeito da horizontalidade natural do enquadramento, a verticalidade dos
edifícios, como é o caso de alguns dos planos finais do filme, quando o casal
protagonista já está perto de desvendar o mistério da tumba. Tudo bastante
realista, sem que se esvaia a fantasia que, neste caso, também é memória dos
tempos ancestrais.
Master
of Ballantrae (1953)
Último filme de William Keighley, “Master of Ballantrae”
é uma aventura , ao estilo capa-e-espada, passada na Escócia durante a Revolta
Jacobita. Dois irmãos, da família dos nobres Durie, são impelidos a tomar parte
no conflito, cada um de um lado, para que, seja qual forem as consequências da
insurreição, os negócios da família fiquem garantidos. Jamie (Errol Flynn)
permanece do lado dos rebeldes mas, ao perder uma batalha, precisa partir para
a França, junto a um companheiro de revolta, o Coronel Francis Burke. A caminho
da partida, se despede de sua querida Lady Alisson com um beijo amoroso, no que
é observado por Jessie Brown, que por ele nutria uma forte paixão. Ela o trai e
os ingleses o atingem com um tiro. Cai no mar e seu corpo não é encontrado. É
dado como morto. Pensando que seu irmão o havia traído, retorna às escondidas
para que duelassem juntos, e, na disputa, é, acidentalmente, apunhalado. O
irmão pensa que o matou, tenta socorrê-lo. Vai avisar a um amigo que havia,
dessa vez, visto o irmão morto de verdade, por suas próprias mãos. Ao retornar
à cena do crime, no entanto, nada encontra, somente o punhal ensanguentado. E,
com isto, pensa: “este aí tem mesmo pacto com o Diabo, porque não morre nunca”.
Estas são as primeiras mortes e ressurreições das séries
de desventuras e sortes que Errol Flynn terá até o fim do filme. Uma aventura
atípica, que em algum momento se transforma em filme de piratas, noutro em
romance familiar. “Master of Ballantrae” conserva alguns momentos
interessantíssimos para o cinema de ação: a decupagem das cenas de duelo tem
algo de inovador e parece prenunciar algumas coisas que se veria no cinema de
kung fu posterior. Além disso, o filme é um dos momentos mais primorosos da
carreira de fotógrafo de Jack Cardiff, produzindo imagens realmente
impressionantes e incomparáveis.
William Keighley já havia anteriormente dirigido Flynn em
alguns filmes, quase todos com o mesmo perfil, incluindo o grande clássico “As
Aventuras de Robin Hood”. No entanto, junto com o filme co-dirigido por Michael
Curtiz, esta parceria parece o melhor dos momentos que a dupla pôde nos legar.
Stranger
at My Door (1956)
Um grupo de bandidos saqueia um banco e coloca em
polvorosa um pequeno vilarejo do oeste. O temido Clay Anderson (Skip Homeier),
líder do grupo, foge e encontra asilo no estábulo de um rancho, onde é acolhido
pela bela mulher de um pastor protestante, Peg Jarret (Patricia Medina), e por
seu filho pequeno. Quando o pregador chega em casa, reconhece Clay, mas toma
uma atitude curiosa: resolve continuar sem avisar às autoridades, a fim de
converter o bandido no tempo em que ele ali fizesse pousada. O ladrão se
apaixona pela mulher de seu benfeitor, mas ela, depois de descobrir sua
verdadeira identidade, cada vez mais o odeio. Ao contrário, o filhinho do casal
sonha em ser um pistoleiro temido como o mitológico Clay e, sem saber que este
vive sob o mesmo teto seu, a cada dia mais se afeiçoa com o novo “ajudante” nos
afazeres do rancho, o bandido disfarçado.
William
Witney, diretor do filme, foi dono de uma longa carreira de quase 50 anos e
mais de 140 filmes, permeada por diversos outros westerns, seja para o cinema
ou no formato das séries de TV. O âmbito do cinema serial, talvez, tenha sido a
verdadeira especialidade de Witney, até acima do faroeste: mestre das séries de
aventura da Republic Pictures, o diretor realizou pelo menos dois clássicos
absolutos, “A Volta do Zorro” (1937) e “O Homem de Aço” (1941).
Misto
de história de milagres e tragédia redentora, “Stranger at My Door” é um dos
grandes filmes de Witney, que condensam em si algo que lhe era muito peculiar:
uma certa ascese visual, desde a concepção dos cenários até os gestos dos
personagens. Os ângulos em que é filmada a igreja semi-pronta, que o pastor
constrói no rancho e que servirá de altar de expiação para Clay, delineiam
estruturas pétreas e minimalistas; os gestos do bandido, tão duros, mas tão
espontâneos, relembram em alguns aspectos, mesmo que tênues, aqueles do herói
do Capitão Marvel em “O Homem de Aço”, um personagem mais despido de fantasia
que de realismo. Mas não há, por isso, de se pensar que a frieza dos blocos de
pedra erigidos por William Witney não permitam arroubos inefáveis de emoção.
Pois é justamente destas estruturas ancestrais, mas intrincadas, que brotam os
momentos de candura.
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