sábado, 23 de fevereiro de 2019

Alguns filmes esquecidos




ALGUNS FILMES ESQUECIDOS
 WITNEY, PIROSH & Co.


            A partir desta semana, o The Forbidden Past inaugura uma coluna destinada exclusivamente a uma de suas vocações, que é a da divulgação de diretores e filmes que padecem injustamente de certo ostracismo. Regularmente haverá a publicação de pequenos textos sobre “alguns filmes esquecidos”, mas que merecem certa atenção.  Seguem, sem mais delongas, os comentários desta primeira semana.


***


Valley of Kings (1954)


Resultado de imagem para valley of kings movie


            Robert Pirosh foi roteirista em dezenas de seriados e filmes, entre os quais alguns filmes com os irmãos Marx e ao menos uma obra-prima, “I Married a Witch”, de René Clair. Sua carreira como diretor, no entanto, foi bastante curta. “Valley of Kings” é o terceiro de seus cinco únicos filmes, a história de uma mulher obcecada em seguir os rumos do pai e descobrir no Vale dos Reis a tumba de Ra-Hotep, um antigo faraó que, segundo ela, teria aspirações cristãs ainda desconhecidas pela maioria dos historiadores. Para sua empreitada, se alia a um aventureiro, que, com ela, passa viver numa rede de intrigas e traições daqueles que, supostamente, eram seus aliados. 

            DeMille já havia, nos anos 1910, nos deixado a lição de que uma das maiores formas de se constituir um mundo de fantasia é pelo realismo. Assim fez nas escadarias enormes do templo asteca em “The Woman God Forgot” e parece que há algo disto no Egito captado por Pirosh. A cena da tempestade de areia é absurdamente realística e um evento de grande beleza.

            Além disso, há ainda a fluidez do enredo (que correria os riscos de parecer condensado demais nos menos que 90 minutos de projeção), as imagens dos planos abertos de um Egito deslumbrante e perdido no tempo, algumas fotografadas com certa complexidade estilística, como se valorizassem, a despeito da horizontalidade natural do enquadramento, a verticalidade dos edifícios, como é o caso de alguns dos planos finais do filme, quando o casal protagonista já está perto de desvendar o mistério da tumba. Tudo bastante realista, sem que se esvaia a fantasia que, neste caso, também é memória dos tempos ancestrais.


Master of Ballantrae (1953)


Resultado de imagem para master of ballantrae


            Último filme de William Keighley, “Master of Ballantrae” é uma aventura , ao estilo capa-e-espada, passada na Escócia durante a Revolta Jacobita. Dois irmãos, da família dos nobres Durie, são impelidos a tomar parte no conflito, cada um de um lado, para que, seja qual forem as consequências da insurreição, os negócios da família fiquem garantidos. Jamie (Errol Flynn) permanece do lado dos rebeldes mas, ao perder uma batalha, precisa partir para a França, junto a um companheiro de revolta, o Coronel Francis Burke. A caminho da partida, se despede de sua querida Lady Alisson com um beijo amoroso, no que é observado por Jessie Brown, que por ele nutria uma forte paixão. Ela o trai e os ingleses o atingem com um tiro. Cai no mar e seu corpo não é encontrado. É dado como morto. Pensando que seu irmão o havia traído, retorna às escondidas para que duelassem juntos, e, na disputa, é, acidentalmente, apunhalado. O irmão pensa que o matou, tenta socorrê-lo. Vai avisar a um amigo que havia, dessa vez, visto o irmão morto de verdade, por suas próprias mãos. Ao retornar à cena do crime, no entanto, nada encontra, somente o punhal ensanguentado. E, com isto, pensa: “este aí tem mesmo pacto com o Diabo, porque não morre nunca”.

            Estas são as primeiras mortes e ressurreições das séries de desventuras e sortes que Errol Flynn terá até o fim do filme. Uma aventura atípica, que em algum momento se transforma em filme de piratas, noutro em romance familiar. “Master of Ballantrae” conserva alguns momentos interessantíssimos para o cinema de ação: a decupagem das cenas de duelo tem algo de inovador e parece prenunciar algumas coisas que se veria no cinema de kung fu posterior. Além disso, o filme é um dos momentos mais primorosos da carreira de fotógrafo de Jack Cardiff, produzindo imagens realmente impressionantes e incomparáveis.

            William Keighley já havia anteriormente dirigido Flynn em alguns filmes, quase todos com o mesmo perfil, incluindo o grande clássico “As Aventuras de Robin Hood”. No entanto, junto com o filme co-dirigido por Michael Curtiz, esta parceria parece o melhor dos momentos que a dupla pôde nos legar.  


Stranger at My Door (1956)


Imagem relacionada


            Um grupo de bandidos saqueia um banco e coloca em polvorosa um pequeno vilarejo do oeste. O temido Clay Anderson (Skip Homeier), líder do grupo, foge e encontra asilo no estábulo de um rancho, onde é acolhido pela bela mulher de um pastor protestante, Peg Jarret (Patricia Medina), e por seu filho pequeno. Quando o pregador chega em casa, reconhece Clay, mas toma uma atitude curiosa: resolve continuar sem avisar às autoridades, a fim de converter o bandido no tempo em que ele ali fizesse pousada. O ladrão se apaixona pela mulher de seu benfeitor, mas ela, depois de descobrir sua verdadeira identidade, cada vez mais o odeio. Ao contrário, o filhinho do casal sonha em ser um pistoleiro temido como o mitológico Clay e, sem saber que este vive sob o mesmo teto seu, a cada dia mais se afeiçoa com o novo “ajudante” nos afazeres do rancho, o bandido disfarçado.

William Witney, diretor do filme, foi dono de uma longa carreira de quase 50 anos e mais de 140 filmes, permeada por diversos outros westerns, seja para o cinema ou no formato das séries de TV. O âmbito do cinema serial, talvez, tenha sido a verdadeira especialidade de Witney, até acima do faroeste: mestre das séries de aventura da Republic Pictures, o diretor realizou pelo menos dois clássicos absolutos, “A Volta do Zorro” (1937) e “O Homem de Aço” (1941).

Misto de história de milagres e tragédia redentora, “Stranger at My Door” é um dos grandes filmes de Witney, que condensam em si algo que lhe era muito peculiar: uma certa ascese visual, desde a concepção dos cenários até os gestos dos personagens. Os ângulos em que é filmada a igreja semi-pronta, que o pastor constrói no rancho e que servirá de altar de expiação para Clay, delineiam estruturas pétreas e minimalistas; os gestos do bandido, tão duros, mas tão espontâneos, relembram em alguns aspectos, mesmo que tênues, aqueles do herói do Capitão Marvel em “O Homem de Aço”, um personagem mais despido de fantasia que de realismo. Mas não há, por isso, de se pensar que a frieza dos blocos de pedra erigidos por William Witney não permitam arroubos inefáveis de emoção. Pois é justamente destas estruturas ancestrais, mas intrincadas, que brotam os momentos de candura.



Nenhum comentário:

Postar um comentário