Chad Stahelski, que, apesar de seus três filmes,
permanece “autor de uma só obra” (a saga “John Wick”), tem uma carreira digna de mérito: saído
do mundo dos lutadores, passou a ser dublê e diretor de ação em Hollywood, até
se tornar diretor. Algo entre Budd Boeticher (que, lembrem-se, foi toureiro) e
Lau Kar-Leung.
Seu primeiro filme foi comparado, nas cenas de tiroteio,
aos áureos tempos de John Woo e alguma parcela da crítica interessada pela
história do cinema de ação lhe considerou uma grande descoberta à época.
A
tudo isto subscrevo. Sua carreira tem sido uma das mais legítimas heranças do
cinema de artes marciais no mundo: se John Woo, a quem lhe compararam, foi
discípulo de Chang Cheh e soube transmutar para os ares contemporâneos e para
as batalhas com armas de fogo o cinema sacrificial de seu mestre (cujos filmes
de ares medievais versavam sobre o sacrifício honroso dos heróis), Stahelski é,
hoje, o principal produto da influência deixada por Woo no cinema americano
desde os anos 1990.
Atestado evidente disto é o recente John Wick
3 – Parabellum. Seu início apresenta os problemas típicos de algumas
recentes produções do cinema de ação: a estetização de espaços a fim de criar o
estranhamento de uma certa dimensão onírica, como quando Wick pede ajuda a uma
mafiosa de Belarus e, até chegar a seu escritório, é conduzido por uma série de
salas onde se realizam exercícios físicos e de dança, rigidamente estilizados e
que parecem ocorrer “à revelia da realidade”; uma tendência ao sadismo em
certas imagens gratuitas de violência (como quando, neste mesmo episódio com a
mafiosa, vemos uma bailarina arrancar uma das unhas dos pés); episódios
ridículos e propositados no virtuosismo da ação (que nem sempre são maus, mas
que, aqui, não cabem na específica narrativa trágica que é própria aos filmes com o personagem),
como na luta do estábulo, em que Wick usa “coices de cavalos” para se livrar de
seus inimigos.
No
entanto, apesar destes erros localizados, o filme conserva uma profusão de
cenas de ação brilhantes. Em especial, o longuíssimo confronto final entre o
protagonista e seus rivais japoneses. Há muito não se via esta forma de
encenação: a ação dirigida nos moldes do kung fu, desta vez swm a afetação de planos curtíssimos e picotados ou, ao invés, de planos-sequências sem razão de ser. Uma série de desafios traçados sem qualquer adição à
narrativa, como nos melhores filmes que Chang Cheh realizou no fim dos anos
1970 e no começo dos anos 1980. A pura e simples beleza do martírio.
Como aconteceu aos “grandes mestres” do cinema de ação,
Stahelski parece fundir com bastante destreza suas experiências pessoais como
lutador no seu processo de confecção enquanto artista. Talvez, nesse sentido,
fosse mais justo compará-lo a Lau Kar-Leung, que, por meio de sua arte, nos deu
a ver uma visão bastante própria do que era “a vida do lutador” ou daquilo que
faz especiais aqueles que lutam.
À certa altura deste terceiro John Wick, um personagem
cita o famoso brocado latino: “Si vis pacem, para bellum”. Se queres paz,
prepara-te para a guerra. Chad Stahelski parece ter experimentado da guerra e,
por isso, sabe recriá-la com a devida grandeza.
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