domingo, 9 de junho de 2019

Domino (2019)




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          Domino (ou “Dominó”, no que seria mais próprio do português), era, até há alguns dias, o filme mais esperado deste fim de década. Não é certo que todos levassem fé num retorno triunfal de Brian De Palma, depois dos sete anos sabáticos que separam Passion desta nova produção, mas não há dúvidas de que havia algo de esplendoroso neste evento: o retorno do gênio, mesmo que tímido, era um fôlego a mais para o circuito menos que medíocre dos últimos anos e, ao mesmo tempo, uma espécie de reencontro amigável com um séquito que, venha como vier, estará sempre a sua espera.

            Antes da estreia, algumas impropriedades nos períodos de produção e pós-produção denunciaram que as coisas não iam bem com o filme: De Palma concedeu uma polêmica entrevista onde dizia ter detestado a experiência de realizar aquela obra que, apesar de tudo, considerava “algo de bom”; surgiram notícias, ainda, de que o diretor se recusara a participar ativamente do processo de edição, que teria ficado quase totalmente a cargo de outros; se alardeou um corte monumental na metragem do filme, de 140 para cerca de 80 minutos.

            O resultado, como era de se esperar, foi bastante prejudicado: o corpo do filme, sua totalidade, parece bastante desigual, mesmo que suas partes isoladas (provavelmente mais isoladas ainda por uma montagem “alheia” à autoria da obra) possam demonstrar lampejos de beleza bastante brilhantes. Neste sentido, a narrativa parece se dividir em três partes: um prólogo (até a cena do desmaio do protagonista) que introduz a trama internacional traçada pelo filme; o desenvolvimento desta mesma trama; uma conclusão (a cena na arena de touros) que se pretende como grande clímax da obra. 

            O desenvolvimento, a segunda destas partes, parece mais prejudicado pelas recorrentes falhas na produção do que pelos erros do próprio autor: há, nele, uma tonalidade pedestre, um tanto monótona, evidentemente causada por uma espécie de simplificação da trama e de esterilização da imagem. É como se esta parte do enredo servisse, de modo temerariamente utilitarista, somente para tocar em frente os problemas introduzidos no prólogo, do modo mais simples possível e com as imagens mais genéricas (estéreis, neste sentido).

          Mas se, neste ponto, as imagens vistas são prejudicadas pela montagem, a conclusão não sofreu exatamente deste mesmo mal. Mesmo que, em parte, a preparação para seu clímax seja deficitária e, por isso, lhe tire a força própria, as ideias na construção das imagens parecem terríveis: a morte esdrúxula do terrorista atingido por um drone e a intervenção risível de uma coadjuvante que o impede de perpetrar seu plano de destruição são problemas diretamente relacionados à direção e, portanto, oneráveis na dívida de De Palma.

            No entanto, eu dizia que, neste filme, “algumas partes isoladas são brilhantes”. O prólogo poderia ser uma espécie de “filme em separado”. Tudo nele é sublime. É o melhor De Palma. O De Palma de Femme Fatale, para quem a encenação não têm barreiras nem medidas, para quem o quadro não é uma contingência, mas um mero joguete para se recriar, de diversas formas, a totalidade do espaço. Talvez intencionalmente, aqui se rememore Hitchcock: a vertigem de Um Corpo que Cai e os telhados de Ladrão de Casaca. O voyeur em Janela Indiscreta (e no saudoso Dublê de Corpo). 20 minutos de reinvenção, do mundo e, um pouco também, de si. Enfim, um De Palma original, como foi aquele que se recriou tantas vezes nas últimas cinco décadas.

            Nós sabemos que este provavelmente não é seu último filme (outros dois estão sendo produzidos), mas, se fosse, seria um digno final. Não perfeito (não era preciso ser o que já se foi tantas vezes), mas um marco, mesmo que tímido, daquilo que, mesmo na diversidade, sempre foram as suas obras: o retrato do gênio.

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