Domino (ou “Dominó”, no
que seria mais próprio do português), era, até há alguns dias, o filme mais
esperado deste fim de década. Não é certo que todos levassem fé num retorno
triunfal de Brian De Palma, depois dos sete anos sabáticos que separam Passion
desta nova produção, mas não há dúvidas de que havia algo de esplendoroso neste
evento: o retorno do gênio, mesmo que tímido, era um fôlego a mais para o
circuito menos que medíocre dos últimos anos e, ao mesmo tempo, uma espécie de
reencontro amigável com um séquito que, venha como vier, estará sempre a sua
espera.
Antes da estreia, algumas impropriedades nos períodos de
produção e pós-produção denunciaram que as coisas não iam bem com o filme: De
Palma concedeu uma polêmica entrevista onde dizia ter detestado a experiência
de realizar aquela obra que, apesar de tudo, considerava “algo de bom”;
surgiram notícias, ainda, de que o diretor se recusara a participar ativamente
do processo de edição, que teria ficado quase totalmente a cargo de outros; se
alardeou um corte monumental na metragem do filme, de 140 para cerca de 80
minutos.
O resultado, como era de se esperar, foi bastante
prejudicado: o corpo do filme, sua totalidade, parece bastante desigual, mesmo
que suas partes isoladas (provavelmente mais isoladas ainda por uma montagem
“alheia” à autoria da obra) possam demonstrar lampejos de beleza bastante
brilhantes. Neste sentido, a narrativa parece se dividir em três partes: um
prólogo (até a cena do desmaio do protagonista) que introduz a trama
internacional traçada pelo filme; o desenvolvimento desta mesma trama; uma
conclusão (a cena na arena de touros) que se pretende como grande clímax da
obra.
O desenvolvimento, a segunda destas partes, parece mais
prejudicado pelas recorrentes falhas na produção do que pelos erros do próprio
autor: há, nele, uma tonalidade pedestre, um tanto monótona, evidentemente
causada por uma espécie de simplificação da trama e de esterilização da imagem.
É como se esta parte do enredo servisse, de modo temerariamente utilitarista,
somente para tocar em frente os problemas introduzidos no prólogo, do modo mais
simples possível e com as imagens mais genéricas (estéreis, neste sentido).
No entanto, eu dizia que, neste filme, “algumas partes
isoladas são brilhantes”. O prólogo poderia ser uma espécie de “filme em
separado”. Tudo nele é sublime. É o melhor De Palma. O De Palma de Femme
Fatale, para quem a encenação não têm barreiras nem medidas, para quem o quadro
não é uma contingência, mas um mero joguete para se recriar, de diversas
formas, a totalidade do espaço. Talvez intencionalmente, aqui se rememore
Hitchcock: a vertigem de Um Corpo que Cai e os telhados de Ladrão de Casaca. O voyeur em Janela Indiscreta (e no
saudoso Dublê de Corpo). 20 minutos de reinvenção, do mundo e, um pouco também,
de si. Enfim, um De Palma original, como foi aquele que se recriou tantas vezes
nas últimas cinco décadas.
Nós sabemos que este provavelmente não é seu último filme
(outros dois estão sendo produzidos), mas, se fosse, seria um digno final. Não
perfeito (não era preciso ser o que já se foi tantas vezes), mas um marco,
mesmo que tímido, daquilo que, mesmo na diversidade, sempre foram as suas
obras: o retrato do gênio.
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