sábado, 14 de julho de 2018

As viagens de Pál Fejös, por Graham Petrie



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         O filme de Pál Fejös, Solidão, de 1928, é atualmente considerado um dos auges do cinema mudo americano, e até mesmo internacional, sendo comparável a obras-primas como Aurora (1927) de F.W. Murnau e A Turba (1928) de King Vidor. No entanto, foi apenas recentemente que chegou a adquirir reconhecimento semelhante ao desses filmes. O próprio Fejös, apesar de ter sido anunciado pela revista Close-Up, em 1928, como um iniciante no mesmo nível de Ernst Lubitsch, Murnau, Paul Leni e Henry King, ficou praticamente esquecido depois que deixou a América em 1931, tendo sobrevivido apenas três anos lá como diretor. Inicialmente, Solidão recebeu críticas favoráveis, mas foi pego na transição caótica dos filmes mudos para os sonoros nos anos finais da década de 1920, e foi pouco visto ou mencionado por quase o próximo meio século, até as redescobertas e restaurações, a partir da década de 1980, retornando assim ao seu esplendor original, para que o público pudesse se maravilhar novamente.

         Solidão foi o segundo longa-metragem americano de Fejös, nascido na Hungria, depois do independente The Last Moment (1927) – agora um filme “perdido”, infelizmente - e é geralmente considerado sua melhor obra (embora a redescoberta do filme anterior certamente pudesse ser uma grande contribuição para a história do cinema), uma maravilha técnica e imaginativa que exibe trabalho de câmera inovador e virtuosístico e revela uma incomum simpatia e compreensão pelos personagens comuns da classe trabalhadora: dois moradores da cidade (interpretados por Glenn Tryon e Barbara Kent), que se encontram, começam a se apaixonar e são separados pelas multidões que se espalham pelo filme. Solidão lançou a curta temporada de Fejös na Universal, que resultou em mais dois filmes de considerável interesse e inovação técnica e experimentação, The Last Performance e Broadway (ambos de 1929). Mas os projetos subsequentes levaram à decepção e à desilusão com o sistema, e seus anos de Hollywood logo chegaram ao fim.

         Seus filmes americanos, no entanto, são apenas parte de uma carreira extraordinariamente variada que também incluiu filmes em sua Hungria natal, na Áustria, em França e na Dinamarca, além de documentários antropológicos na Tailândia, em Madagascar, na América do Sul e em várias ilhas do Pacífico Sul. Sua biografia padrão até hoje, de autoria de seu amigo John W. Dodds, corretamente atribui a ele várias "vidas", todas elas importantes e altamente bem-sucedidas, e todas marcadas por instintos profundamente humanitários. Ele é conhecido por ter mantido uma independência feroz ao longo de suas muitas buscas, uma atitude que muitas vezes o colocou em conflito com os produtores e resultou em batalhas que ele às vezes venceria e, particularmente em Hollywood, às vezes perderia. Certos aspectos de sua vida ainda são um mistério, e o crítico francês Philippe Haudiquet se referiu a ele como um “mythomane” (fantasista) encantador que contou diferentes versões de sua biografia a pessoas diferentes em épocas diferentes - talvez para sua própria diversão, em vez de qualquer tentativa deliberada de enganar. Mas já se sabe o suficiente sobre esse homem notável e multifacetado para seguir os vários caminhos de sua vida com certa precisão.

           Nascido Fejös Pál (em ordem húngara de sobrenome primeiro) em Budapeste, no ano de 1897, de pais da aristocracia austro-húngara, ele desenvolveu um interesse precoce em medicina e obteve um diploma nesta área, talvez na Hungria, ou talvez mais tarde, nos Estados Unidos (as fontes variam sobre isso). Mas também era fascinado por teatro e cinema, e dirigiu seis ou sete filmes entre 1920 e 1923 (todos agora considerados perdidos), assim como peças e óperas. Ele também sempre foi fascinado pela América e partiu para os Estados Unidos em 1923, chegando em outubro. Sem nenhum contato real e contando apenas com um conhecimento mínimo de inglês, Pál viveu em Nova York em pobreza aguda por algum tempo, até que seu histórico médico o levou a trabalhar no Instituto Rockefeller (críticos de seus filmes americanos frequentemente o chamava de Dr. Fejös). Mas ele estava determinado a entrar no cinema e assim, partiu para Los Angeles, em 1926. Lá, depois de obter trabalho esporádico como roteirista e produtor de teatro, de alguma forma Pál se encontrou com um jovem rico chamado Edward M. Spitz, que possuía cinco mil dólares, os quais ele queria desesperadamente investir em um filme, e por isso, estava procurando por um roteiro e por um diretor. (Por mais improvável que essa história pareça, ela parece ser exata e foi totalmente aceita pelos críticos iniciais do filme).

          Exercitando seu charme considerável, Fejös conseguiu persuadir Georgia Hale, recém-saída de sua atuação em The Gold Rush de Charlie Chaplin, a trabalhar para ele por nada, e então, alugou o espaço do estúdio de hora em hora, fazendo uso de qualquer coisa que estivesse preparada para outros filmes que estavam sendo filmados na época; obteve estoque de filmes brutos a crédito; e contratou um jovem cinegrafista, Leon Shamroy (que ganharia quatro Oscars por sua fotografia nos anos posteriores). Ele escreveu um roteiro que lhe permitiu manipular esses vários ingredientes com sucesso e fez The Last Moment (1927), após o qual convidou dois críticos proeminentes, Welford Beaton, do Film Spectator, e Tamar Lane, do Film Mercury, para uma prévia particular. Ambos imediatamente saíram e escreveram resenhas elogiosas, com Beaton encabeçando a sua com o título “Apresentando a Você o Sr. Paul Fejös, Gênio”. Beaton então providenciou para que Chaplin tivesse uma sessão privada do filme, e Fejös, incapaz, por sua própria conta, de pagar um táxi, levou seis latas pesadas de filme de 35 mm a pé para a casa de Chaplin em Beverly Hills, deixando-as aos cuidados de um mordomo desnorteado. Depois de ver o filme, Chaplin concordou com Beaton e a United Artists decidiu lançá-lo.

        A julgar pelas descrições do filme que sobreviveram, foi muitos anos à frente de seu tempo e estruturalmente próximo ao Eu te Amo, Eu te Amo, de Alain Resnais, de 1968, retratando os últimos segundos da vida de um homem que se afoga; como em fragmentos, cenas de seu passado brilham diante dele em ordem não-cronológica. Ele foi favoravelmente criticado pelo New York Times e por outros (a Variety chamou de "interessante, esquisito e ligeiramente mórbido", mas com possibilidades comerciais), e apareceu na lista de muitos críticos dos dez melhores filmes do ano. Os anúncios brilhantes trouxeram ofertas a Fejös da maioria dos grandes estúdios, mas foram subsequentemente dissuadidos por sua insistência em manter o controle artístico completo. Carl Laemmle Jr., no entanto, filho do chefe da Universal Studios, que havia sido conquistado pelo filme, convenceu seu pai a deixar Fejös fazer algo em seus próprios termos. Rejeitando todos os roteiros oferecidos a ele, Fejös escolheu um esboço de três páginas que o estúdio comprou por vinte e cinco dólares e anunciou que queria filmar isso. O resultado foi Solidão, originalmente totalmente silencioso, mas pouco depois lançado como “part-talkie”, como aconteceu também com vários outros filmes desse período de transição.

      Embora Fejös permanecesse tecnicamente inovador e imaginativo nos filmes que se seguiram, Solidão marcou o ponto alto de sua liberdade criativa em Hollywood. Ele foi seguido pelo mudo The Last Performance (também conhecido como Erik, o Grande), uma tarefa que ele mais tarde disse que aceitou apenas porque lhe deu a oportunidade de trabalhar com o ator Conrad Veidt, como um mágico e hipnotizador que emprega suas habilidades numa tentativa de ganhar as afeições de seu jovem assistente. Iluminação, sombras, close-ups, superposições, flashbacks, elaborados movimentos de câmera e o mínimo de intertítulos são usados ​​para guiar o espectador através de uma intrincada narrativa, embora o filme seja talvez mais interessante como um exemplo de quão eficientemente as técnicas do cinema mudo poderiam ser empregadas para retratar emoções e relações complexas do que por seu enredo um tanto melodramático. Ainda sob o patrocínio de seu amigo Laemmle Jr., ele foi designado para a superprodução imensamente cara do musical Broadway, que foi filmado tanto como um filme silencioso quanto sonoro. Grande parte do orçamento do musical foi para a construção de uma boate espetacularmente elaborada e, com a colaboração completa de seu cinegrafista, Hal Mohr, para a invenção e para o uso espetacular de um enorme guindaste de câmera que rondava e mergulhava sobre o set para um efeito criativo surpreendente. Numa época em que a tecnologia nascente de gravação de som estava inibindo o movimento de câmera expansivo que havia marcado os melhores filmes mudos, Fejös merece tanto crédito quanto Lubitsch e Rouben Mamoulian por ajudar a libertar a câmera.

     O filme foi um sucesso comercial e crítico, mas Fejös estava insatisfeito com as restrições impostas a ele por uma produção tão grande e encontrou um argumento sobre um dançarino supostamente pequeno (Glenn Tryon) que sonhava em chegar ao topo (apesar de já estar trabalhando numa enorme boate). Sua insatisfação continua na sua próxima missão, um drama histórico, Captain of the Guard (1930), no qual ele se feriu (possivelmente de modo deliberado) em um estágio inicial de filmagem e teve que ser substituído. Ele tinha grandes esperanças de poder dirigir Nada de Novo no Front, mas este foi designado a Lewis Milestone, e Fejös recebeu para si King of Jazz (1930), um tributo a Paul Whiteman. Embora ele pareça ter trabalhado no filme, este é creditado oficialmente a John Murray Anderson. Finalmente, ele quebrou seu contrato com a Universal e ficou na lista negra por um tempo. Foi então contratado pela MGM para dirigir uma das tentativas de curta duração de produzir versões "internacionais" de filmes sonoros, fazendo versões em francês, alemão e outras, usando os mesmos sets, movimentos de câmera e ação para cada um, simplesmente substituindo os atores americanos com outros de nacionalidade apropriada. Fejös dirigiu as versões francesa e alemã de The Big House, com alguns críticos preferindo essas à original americana, dirigido por George Hill.

       Porém, Fejös se cansou de Hollywood e decidiu abruptamente retornar à Europa em 1931. "Achei Hollywood falsa", disse ele a John W. Dodds mais tarde. “Eu achei tudo artificial. Achei as pessoas impossíveis... escritores - os chamados escritores - totalmente sem inteligência, totalmente ignorantes, ‘stupid hacks’”. Ele foi primeiro para a França, onde dirigiu uma versão em longa-metragem da série silenciosa Fantômas em 1932, e depois voltou para a Hungria, levando consigo a bela e altamente popular estrela francesa Annabella. Lá, com a liberdade artística recuperada, ele fez dois filmes impressionantes: Lenda de Amor (1932) com Annabella estrelando como uma garota inocente que é seduzida e abandonada pelo filho de seu empregador e que, então, grávida, é expulsa por aldeões hipócritas de sua vila; e o recentemente redescoberto Tempestade em Balaton (1933), centrado em dois amantes separados pelo casamento forçado da mulher, imposto a ela por seu pai rico. O tratamento simpático, humano e sem julgamentos de ambos os filmes em relação ao comportamento "imoral" e seu ataque à vida e aos valores de mente-pequena e reacionários dos vilarejos despertaram grande indignação na Hungria, e Fejös iniciou suas viagens novamente, desta vez para a Áustria, onde fez dois filmes, um dos quais, Sonnenstrahl (também conhecido como Ray of Sunshine, 1933), novamente estrelado por Annabella, tem fortes afinidades com Solidão em sua representação de um jovem casal lutando para sobreviver em uma situação de desemprego e exploração.

          Fejös foi então abordado pela Nordisk Film na Dinamarca, que estava ansiosa para elevar o prestígio dos filmes dinamarqueses no exterior e achou que um diretor com experiência em Hollywood poderia ajudar. Ele se mudou para a Dinamarca em 1934 e fez três filmes para a companhia, o melhor deles, e seu favorito, sendo The Golden Smile (1935), no qual uma grande atriz descobre que levou sua atuação tão a fundo em sua vida que não é mais capaz de ser sincera. Nenhum deles, porém, foi um grande sucesso crítico ou popular, e agora Fejös estava começando a se cansar de tentar agradar aos produtores que raramente entendiam ou aceitavam sua visão. Mas a Nordisk se recusou a libertá-lo de seu contrato. Então, no que desencadeou mais uma mudança abrupta de carreira, ele anunciou que faria outro filme só se pudesse filmar em Madagascar (lugar que ele aparentemente selecionou aleatoriamente em um mapa de parede e achou que seria interessante de visitar). Para sua surpresa, o estúdio concordou, e produziu lá o primeiro de vários estudos etnográficos que o ocuparam exclusivamente até 1941 e que acabaram sendo financiados pelo Swedish Film Institute. Eles foram filmados de forma variada na Ásia, na África e na América do Sul, e neles Fejös mostra o maior respeito e simpatia pelos povos nativos que ele fotografa e por seus respectivos modos de vida, recusando-se a explorá-los ou manipulá-los de qualquer maneira. A única exceção ao seu processo de simplesmente registrar aspectos de sua vida diária, cerimônias e rituais foi A Handful of Rice (1940), filmado na Tailândia, que combinou elementos documentais e narrativos, acompanhando um jovem casal no primeiro ano de casamento e em suas dificuldades e até mesmo desastres que encontram na tentativa de ganhar a vida, sobrevivendo através de uma mistura precária de sorte e esforço, muitas vezes ingrata (um tema familiar a Solidão e Sonnenstrahl). O filme foi mais tarde lançado pela RKO, sob o título The Jungle of Chang, mas, significativamente, não contava com o prólogo, que mostra um casal bem-sucedido na Suécia jogando fora como sinal de desperdício o "punhado de arroz" que representa a luta dura do casal para cultivá-lo no ano e, por omitir isso, ignora o tema central do melhor trabalho de Fejös: que todos mereçam a oportunidade de ter sucesso na vida e serem felizes e que é uma ofensa à dignidade humana negar ou frustrar isso.

    Em 1941 o trabalho antropológico de Fejös lhe rendeu um convite para se tornar diretor de pesquisa do recém-criado Viking Fund em Nova Iorque – mais tarde chamado de Fundação Wenner-Gren –, onde ele acabou se tornando presidente e é tido como uma grande influência no desenvolvimento e na direção da pesquisa antropológica na América e em outros lugares. Morreu em 1963, encerrando a última de suas várias vidas - todas marcadas por grandeza e compaixão, incluindo um pequeno, mas rico, legado de filmes importantes que estão finalmente ganhando o reconhecimento que merecem.




(Publicado originalmente em: https://www.criterion.com/current/posts/2437-the-travels-of-paul-fejos; Tradução: Beatriz Saar e Yuri Ramos)

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