Solidão (Lonesome)
1929 - EUA (Versão muda com cenas faladas sem o som:
87') • Prod.: Universal (Carl Laemmle) • Dir.: PAUL FEJOS (Pál Fejös) • Rot.:
Edward T. Lowe, Jr., a partir de uma história de Mann Page • Fot.:. Gilbert
Warrenton • Com Barbara Kent (Mary), Glenn Tryon (Jim), Fay Holdemess (a mulher
elegante), Gustave Parthos (o rapaz romântico), Eddie Phillips (o esportista)
Fred Esmelton.
Nova Iorque, manhã de um dia quente
de julho. Uma garota, Mary Dale, que vive só, se arruma com pressa e sai
correndo de seu apartamento. Um rapaz, Jim Parson, vê que não ouviu seu
despertador. Ele toma banho e faz sua ginástica a toda velocidade. Jim e Mary
tomam, sem se conhecerem, o café no mesmo bar. Jim se engolfa no metrô lotado. Em seu vagão, um homem
pequeno, pendurado pelas duas mãos com uma alça de suporte, parece suspenso
acima do solo. Mary é uma telefonista de escritório. Jim é um operário de
fábrica. No final do dia de trabalho, Mary e Jim deixam seus respectivos
colegas e voltam para casa. É a onda de calor. Jim escuta um disco e, de sua
janela, vê um caminhão publicitário na rua elogiando os prazeres de Coney
Island. No quarto de Mary, só habitam o tédio e o cansaço. Ela folheia um
jornal. O caminhão que viaja pelas ruas também atrai sua atenção. Ela decide
colocar um vestido novo. Por sua vez, Jim faz a barba e se veste. Eles vão para
Coney Island no mesmo ônibus e é aí que Jim percebe Mary pela primeira vez. Ele
a segue até o local do parque de diversões. Ela faz graça e o atrai ao correr
junto com a multidão. Ele a segue. Ambos, em roupas de banho, vão para a praia.
Pela primeira vez, os dois se falam. No começo ele finge ser um homem do mundo
e então confessa ser um simples trabalhador. Eles procuram pelo anel - uma
aliança - que ela perdeu na areia. Um garoto a encontra e Jim fica feliz em
saber que a aliança não é de Mary, mas de sua mãe. A noite caiu no parque de
diversões. Na praia deserta, Jim e Mary parecem estar sozinhos no mundo. Eles
se juntam à multidão e percorrem, uma a uma, todas as atrações (assiette de beurre[1], os espelhos deformados, o
tiro ao alvo, a cartomante, etc.). A conversa se torna mais e mais íntima, mas
Jim se sente envergonhado quando se trata de falar de amor. Eles decidem ir na
montanha-russa e ficam em vagões separados. Jim de repente vê que o de Mary
está pegando fogo. Ela desaparece. O trem para. As pessoas vão ao socorro de
Mary. Jim tem uma briga com um policial que quer impedi-lo de se aproximar. Ele
vai para a delegacia e terá que contar sua história ao comissário antes de ser
liberado. Ele retorna para Coney Island. Mary está procurando por ele. Muitas
vezes eles passam longe um do outro sem se verem. Um tempestade começa. Todos
os clientes fogem do local. Mary e Jim voltam para casa separadamente. Mary
chora. Jim ouve um disco. Mary bate na parede por causa do barulho alto. Jim
corre para esse vizinho desagradável e... descobre que é Mary. Eles caem nos
braços um do outro.
Esta é a primeira e mais famosa das
histórias simples de Pál Fejös. No espaço de um dia, dois jovens solitários se
encontram, se dão a conhecer, se perdem de vista e, depois, com a mais
miraculosa (ou a mais banal) das sortes, reencontram-se: eram vizinhos. Fejös
segue seus dois personagens, emoldurados nos quadros de suas vidas quotidianas,
sem desviar um passo. Inventa assim, sem saber, e como se estivesse brincando
consigo mesmo, o neorrealismo - bem antes de Matarazzo, Renoir, Pagnol, Shimizu
e os outros precursores do movimento. Seu olhar é atento, documental e terno: a
ternura está nele como que imbricada na atenção e não pode ser desprendida
dela. Ao contrário dos personagens do neorrealismo, Mary e Jim não sofrem os
efeitos de uma situação histórica particularmente difícil. Não pesa sobre eles
qualquer maldição social particular, senão aquela de serem indivíduos afogados
na massa, com a dificuldade de comunicação que trazem os seres mais sensíveis e
frágeis. Essa dificuldade, Fejös, futuro etnólogo, descreverá aqui, sem pathos,
como o verdadeiro mal do século. Seu olhar também é extremamente penetrante,
embora nunca complacente, quando mostra a intimidade dos personagens e os
gestos ridículos e significativos que se faz quando se está sozinho, fora da
vista dos outros. No plano formal, a originalidade do filme situa-se na
bem-sucedida combinação entre a extrema simplicidade da trama e a inteligente
complexidade dos processos utilizados para tecê-la (superposições, split
screen, panorâmicas óticas para mudar de um décor a outro, etc.). A variedade e
a eficácia destes procedimentos são o produto do estado do cinema da época (a
saber, a extrema sofisticação técnica deste fim da era muda) e da personalidade
dos Fejös: um pintor da vida cotidiana dotado de humildade e virtuosismo
extraordinários. Podemos questionar as razões que permitiram a Fejös entender
seus personagens tão bem. Sua sensibilidade aguda, sua curiosidade incansável
(ver o progresso subsequente de sua carreira no cinema e fora dele)
permitiu-lhe compreender todos os tipos de pessoas em todos os tipos de países.
A esses dois elementos, pode-se acrescentar um terceiro: o fato de Fejös ser
basicamente muito parecido com os personagens de seu filme. O ritmo, os valores predominantes
da vida americana não foram feitos para ele - muito menos provavelmente para
seus personagens. Apesar da liberdade que desfrutava na Universal (escolha de
assunto, orçamento confortável, supervisão de edição), Fejös nunca se sentiu
completamente em casa em Hollywood e sua carreira lá era ao mesmo tempo
deslumbrante e frustrante.
Nota: o filme existe em três
versões. Versão silenciosa, sem as sequências faladas. Versão sonora, tingida e
até colorida (nas sequências noturnas) com três sequências de fala: o diálogo
entre os dois heróis na praia do dia; depois, à noite; a explicação de Jim na
delegacia. A primeira dessas sequências é simplesmente sublime porque dá ao espectador
a impressão de que próprio cinema sonoro surge diante dele, de modo que os dois
personagens, que nunca o fizeram, possam finalmente conversar entre si. Uma
terceira versão contém todas as sequências da primeira e da segunda, mas mudas.
É a mais difundida.
(Jacques
Lourcelles, em Dictionnaire du Cinéma
– Les Films; Paris: Éditions Robert Laffont, S.A.; 1992; p. 1382-1383;
Tradução: Yuri Ramos)
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