sábado, 14 de julho de 2018

Solidão (1928), por Jacques Lourcelles



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                                                              Solidão (Lonesome)


1929 - EUA (Versão muda com cenas faladas sem o som: 87') • Prod.: Universal (Carl Laemmle) • Dir.: PAUL FEJOS (Pál Fejös) • Rot.: Edward T. Lowe, Jr., a partir de uma história de Mann Page • Fot.:. Gilbert Warrenton • Com Barbara Kent (Mary), Glenn Tryon (Jim), Fay Holdemess (a mulher elegante), Gustave Parthos (o rapaz romântico), Eddie Phillips (o esportista) Fred Esmelton.


          Nova Iorque, manhã de um dia quente de julho. Uma garota, Mary Dale, que vive só, se arruma com pressa e sai correndo de seu apartamento. Um rapaz, Jim Parson, vê que não ouviu seu despertador. Ele toma banho e faz sua ginástica a toda velocidade. Jim e Mary tomam, sem se conhecerem, o café no mesmo bar. Jim se engolfa no metrô lotado. Em seu vagão, um homem pequeno, pendurado pelas duas mãos com uma alça de suporte, parece suspenso acima do solo. Mary é uma telefonista de escritório. Jim é um operário de fábrica. No final do dia de trabalho, Mary e Jim deixam seus respectivos colegas e voltam para casa. É a onda de calor. Jim escuta um disco e, de sua janela, vê um caminhão publicitário na rua elogiando os prazeres de Coney Island. No quarto de Mary, só habitam o tédio e o cansaço. Ela folheia um jornal. O caminhão que viaja pelas ruas também atrai sua atenção. Ela decide colocar um vestido novo. Por sua vez, Jim faz a barba e se veste. Eles vão para Coney Island no mesmo ônibus e é aí que Jim percebe Mary pela primeira vez. Ele a segue até o local do parque de diversões. Ela faz graça e o atrai ao correr junto com a multidão. Ele a segue. Ambos, em roupas de banho, vão para a praia. Pela primeira vez, os dois se falam. No começo ele finge ser um homem do mundo e então confessa ser um simples trabalhador. Eles procuram pelo anel - uma aliança - que ela perdeu na areia. Um garoto a encontra e Jim fica feliz em saber que a aliança não é de Mary, mas de sua mãe. A noite caiu no parque de diversões. Na praia deserta, Jim e Mary parecem estar sozinhos no mundo. Eles se juntam à multidão e percorrem, uma a uma, todas as atrações (assiette de beurre[1], os espelhos deformados, o tiro ao alvo, a cartomante, etc.). A conversa se torna mais e mais íntima, mas Jim se sente envergonhado quando se trata de falar de amor. Eles decidem ir na montanha-russa e ficam em vagões separados. Jim de repente vê que o de Mary está pegando fogo. Ela desaparece. O trem para. As pessoas vão ao socorro de Mary. Jim tem uma briga com um policial que quer impedi-lo de se aproximar. Ele vai para a delegacia e terá que contar sua história ao comissário antes de ser liberado. Ele retorna para Coney Island. Mary está procurando por ele. Muitas vezes eles passam longe um do outro sem se verem. Um tempestade começa. Todos os clientes fogem do local. Mary e Jim voltam para casa separadamente. Mary chora. Jim ouve um disco. Mary bate na parede por causa do barulho alto. Jim corre para esse vizinho desagradável e... descobre que é Mary. Eles caem nos braços um do outro.

          Esta é a primeira e mais famosa das histórias simples de Pál Fejös. No espaço de um dia, dois jovens solitários se encontram, se dão a conhecer, se perdem de vista e, depois, com a mais miraculosa (ou a mais banal) das sortes, reencontram-se: eram vizinhos. Fejös segue seus dois personagens, emoldurados nos quadros de suas vidas quotidianas, sem desviar um passo. Inventa assim, sem saber, e como se estivesse brincando consigo mesmo, o neorrealismo - bem antes de Matarazzo, Renoir, Pagnol, Shimizu e os outros precursores do movimento. Seu olhar é atento, documental e terno: a ternura está nele como que imbricada na atenção e não pode ser desprendida dela. Ao contrário dos personagens do neorrealismo, Mary e Jim não sofrem os efeitos de uma situação histórica particularmente difícil. Não pesa sobre eles qualquer maldição social particular, senão aquela de serem indivíduos afogados na massa, com a dificuldade de comunicação que trazem os seres mais sensíveis e frágeis. Essa dificuldade, Fejös, futuro etnólogo, descreverá aqui, sem pathos, como o verdadeiro mal do século. Seu olhar também é extremamente penetrante, embora nunca complacente, quando mostra a intimidade dos personagens e os gestos ridículos e significativos que se faz quando se está sozinho, fora da vista dos outros. No plano formal, a originalidade do filme situa-se na bem-sucedida combinação entre a extrema simplicidade da trama e a inteligente complexidade dos processos utilizados para tecê-la (superposições, split screen, panorâmicas óticas para mudar de um décor a outro, etc.). A variedade e a eficácia destes procedimentos são o produto do estado do cinema da época (a saber, a extrema sofisticação técnica deste fim da era muda) e da personalidade dos Fejös: um pintor da vida cotidiana dotado de humildade e virtuosismo extraordinários. Podemos questionar as razões que permitiram a Fejös entender seus personagens tão bem. Sua sensibilidade aguda, sua curiosidade incansável (ver o progresso subsequente de sua carreira no cinema e fora dele) permitiu-lhe compreender todos os tipos de pessoas em todos os tipos de países. A esses dois elementos, pode-se acrescentar um terceiro: o fato de Fejös ser basicamente muito parecido com os personagens de seu filme. O ritmo, os valores predominantes da vida americana não foram feitos para ele - muito menos provavelmente para seus personagens. Apesar da liberdade que desfrutava na Universal (escolha de assunto, orçamento confortável, supervisão de edição), Fejös nunca se sentiu completamente em casa em Hollywood e sua carreira lá era ao mesmo tempo deslumbrante e frustrante.

        Nota: o filme existe em três versões. Versão silenciosa, sem as sequências faladas. Versão sonora, tingida e até colorida (nas sequências noturnas) com três sequências de fala: o diálogo entre os dois heróis na praia do dia; depois, à noite; a explicação de Jim na delegacia. A primeira dessas sequências é simplesmente sublime porque dá ao espectador a impressão de que próprio cinema sonoro surge diante dele, de modo que os dois personagens, que nunca o fizeram, possam finalmente conversar entre si. Uma terceira versão contém todas as sequências da primeira e da segunda, mas mudas. É a mais difundida.


(Jacques Lourcelles, em Dictionnaire du Cinéma – Les Films; Paris: Éditions Robert Laffont, S.A.; 1992; p. 1382-1383; Tradução: Yuri Ramos)


[1] Uma espécie de carrossel

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