terça-feira, 10 de julho de 2018

Tapan Sinha merece mais: entrevista de Amitava Nag com Abesh Das




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Amitava Nag: O que te levou a escrever um livro sobre Tapan Sinha?
Abesh Das: Eu sempre percebi Tapan Sinha como um grande pioneiro do cinema “middle-of-the-road” indiano. Há tempos atrás, no começo ou em meados da década de cinquenta, quando estudar cinema era um luxo no nosso país, Sinha pensou em uma forma cinematográfica específica que servisse simultaneamente à busca comercial, bem como aos critérios da arte pura. Nesnhum outro diretor do “mainstream” estava interessado em dirigir filmes como Aarohi ou Wheel Chair. Nós muitas vezes falamos sobre o famoso trio Ray-Ghatak-Sen. Mas eu prefiro concluir que, na verdade, havia aí um quarteto intelectual, incluindo Sinha. Se o critério de popularidade fosse suficiente para excluir uma criação como pura arte, deveríamos, antes de tudo, descartar Chaplin. E é por isso que a tarefa de Sinha foi mais difícil do que a de qualquer Ray, Ghatak ou Sen. Eu escrevo isso em meu livro. Em Haate Bazarey ele retrata uma cena de dança com Vaijayanthimala, que era estrela de Bombaim na época. Sem dúvida que isto era um golpe comercial. Ironicamente, a cena nunca pareceu fora de lugar. Pouquíssimos artistas podem tornar tais componentes populares latentes na realidade formal de sua arte. É trágico que apenas alguns artigos críticos tenham sido escritos sobre ele. Eu senti que muito mais esferas de suas contribuições ainda estão por ser descobertas, o que me levou a abordar este tópico para o meu livro.

Amitava: Em que aspectos você pensa que ele é único?
Abesh: Para minha pesquisa, quando comecei a ler textos, principalmente seus esboços autobiográficos, vários escritos e entrevistas, descobri um ponto vital. Foi a sua percepção do cinema como uma arte composta. Talvez nenhum além dele fosse tão admirador dos técnicos e de suas contribuições para este ambiente de composição. Em nosso país, a maioria dos diretores considera atores ou técnicos como cidadãos de segunda ou terceira classe. Certamente Ray era um homem com essa mesma percepção completa. No entanto, além dele, entre os diretores de seu tempo, provavelmente foi apenas Tapan Sinha que teve um profundo senso técnico, não só devido ao seu aprendizado nos famosos New Theatres, mas também por causa de sua formação acadêmica. Esse senso técnico, acompanhado de seu dom para com a música e a literatura, sempre dotou suas obras de uma qualidade única.

Amitava: Em seu livro, você prestigiou a visão de Sinha sobre a juventude. O quanto ela é diferente das visões de Styajit Ray ou Ritwik Ghatak?
Abesh: Ritwik Ghatak sempre manteve uma forma particular de ver o mundo a sua volta. Sua visão profunda, neste sentido, fez dele um marco. Não tenho certeza se há muitas diverenças ou não. Pelo contrário, acho que há uma forte semelhança entre os insights de Ray e Sinha. Tanto em Pratidwandwi quanto em Ekhoni pode-se sentir a solidão da juventude contemporânea. Como Ray era um homem com uma visão diferente, alguns truques artísticos magistrais, ainda, estavam lá, por sobre a juventude inquieta. Por outro lado, se você se atenta à juventude de Sinha, respectivamente em Apanjan, Ekhoni, Raja, Atanka e Antardhan, verá uma realidade radicalizada. Embora em Apanjan o antigo encanto da doçura poética, que era uma marca registrada de Sinha até Haate Bazary, muitas vezes fosse atrativo. Mas isso é outro assunto. Em uma cena de entrevista em Pratidwandwi, o protagonista Siddhartha é questionado se era comunista ou não. Obviamente, a juventude de Ray foi afetada por ondas políticas contemporâneas. Mas a sua retratação foi moderada. A câmera estava se movendo tão rápido no anticlímax de Pratidwandwi que era impossível ler o grafite presente lá. Isso foi o Ray dos primórdios. Em contraste, a retratação de Sinha foi muito mais direta. Grupos políticos eram facilmente reconhecíveis entre os muros da cidade, em Atanka. A interferência insana da política caquistocrática na juventude foi muito mais direta, muito mais traumática em Atanka ou em Apanjan.

Amitava: No livro, você mencionou a posição política de Sinha, que é humanista e não necessariamente marxista. Você passou a afirmar que se, como público, vemos seus filmes através de um prisma marxista, provavelmente perderemos o que é o coração do seu cinema. Você pode, por favor, explicar isso?
Abesh: A postura de Sinha nunca foi marxista. Embora isso não signifique que ele era como os nacionalistas de hoje. Em uma entrevista datada de 2004, o próprio Sinha esclareceu muito sobre isso. Eu citei as partes específicas no meu livro. Ele descreveu detalhadamente como o estrangulamento era o que estava em voga na produção cinematográfica da URSS autoritária. Depois de três vezes censurar um roteiro, os representantes do estado ainda estavam lá para supervisionar as filmagens.
Não estou interessado em debates políticos. Mas, depois de um certo período, toda a situação na Bengala pós-independência sofreu tal reviravolta onde, sem uma atitude laudatória [por parte dos cineastas], em torno dos políticos, muitos dos seus caminhos seriam bloqueados. Você nunca seria discutido. Seu nome não seria mais indicado. Se fizermos uma retrospectiva cuidadosa hoje, será evidente que, até certo momento, Sinha estava no centro das atenções. O Dr. Bidhan Chandra Roy elogiou abertamente dois jovens, Ray e Sinha, pelos seus filmes aclamados internacionalmente, Pather Panchali e Kabuliwala. Hasuli Baker Upakatha foi premiado em São Francisco. Mas o que aconteceu depois disso? Eu acho que, porque seus filmes eram tão diretos, ele teve que experimentar uma retaliação.

Amitava: Rabindranath[1] é um nome central para o cinema bengalês - não apenas por sua música, mas também produziram filmes baseados em suas histórias. Tapan Sinha não é exceção. Qual sua visão sobre isto?
Abesh: Aparentemente você pode dizer isso. Mas se considerarmos os anos 50, Tagore nunca foi uma ótima escolha como escritor de histórias para a tela de Bengala. A popularidade de Sarat Chandra era muito mais extensa que a de Tagore. Sim, suas músicas obviamente eram importantes no cinema, mas não seus romances ou contos. Até Ghatak certa vez expressou sua indiferença em relação ao Tagore romancista.
Neste contexto, temos de julgar a contribuição de Sinha para criar Tagore como um escritor de histórias de sucesso para o cinema de Bengala. Embora esse feito pudesse ter sido dado a Ray, se antes de Pather Panchali ele teria feito Ghare Baire. No entanto, dentro de um curto espaço de 8 anos, Sinha fez repetidamente três filmes de sucesso baseados nas histórias de Tagore. Em Atithi, ele escreveu a música final que, juntamente com outros componentes musicais, desempenhou um papel importante para o destino do filme. O protagonista Tarapada como que se redescobre depois do encanto daquilo, que é quase um concerto musical. Na história original, Tagore escreveu um longo parágrafo para retratar a natureza rebelde que dominou Tarapada novamente após um longo período. No filme com uma ferramenta diferente, ou seja, a música, Sinha fez o mesmo. Sinha foi grandemente influenciado por Tagore. Embora hoje não se compreenda de fato o teor desta afirmação. Ela perdeu sua implicação pelo mau uso feito em relação a muitas pessoas. Eu posso dizer que poucas pessoas podem assimilar Tagore e reproduzi-lo através de sua própria vida. Sinha foi uma dessas pessoas.

Amitava: Conte-nos sobre os atores de Sinha. Seus favoritos e também como ele lidou com algumas das maiores estrelas de forma bem diferente em seus filmes.
Abesh: Eu acho que ele teve uma ótima química com Nirmal Kumar. Apesar da presença já estabelecida de Uttam Kumar, Sinha deu o protagonista masculino de Upahar a este jovem. E lembre-se que de 1955 até quase o fim esse ator apareceu repetidamente nos vários filmes de Sinha - como protagonista, coadjuvante, como convidado especial, quase em todos os filmes. Outra pessoa assim era com certeza Anil Chatterjee. Do final dos anos 50 até os anos 90 ele costumava estar presente em vários filmes de Sinha. Quem pode esquecer o protagonista de Nirjan Saikate? Eu também gostaria de mencionar meu favorito, Swarup Dutta. Embora ele aparecesse apenas em cinco filmes de Sinha, de 1968 a 1976 ele era um rosto familiar lá. E como foi versátil - protagonista em Ekhoni, ideólogo em Sagina Mahato, assassino em Harmonium. Entre as atrizes, Ruma Guhathakurta desempenhou vários papéis em várias ocasiões.
Obviamente, ele usou alguns ícones cinematográficos da época como Uttam Kumar, Saira Banu, Vaijayanthimala ou Dilip Kumar. Muito poucos dos então diretores poderiam ter tentado escalar Dilip Kumar como Sagina ou Uttam Kumar em um papel fora do romântico. Também vou acrescentar neste contexto que Soumita Chatterjee teve muita sorte ao começar sua carreira sob os auspícios de Ray e Sinha. De fato, ele admitiu num artigo como foi guiado nos primórdios de sua carreira por esses dois faróis.

Amitava: A obra de Sinha é extremamente diversificada e nela é difícil encontrar dois filmes semelhantes em termos de conteúdo. Quais são seus favoritos e por quê?
Abesh: Se a opção é encontrar os três melhores - eu já mencionei o mesmo no meu livro. Meus favoritos são Hasuli Baker Upakatha, Golpo Holeo Sotyi e Ek Doctor Ki Maut. O primeiro por sua superioridade técnica; o segundo por sua implementação pioneira do realismo mágico nas telas indianas e o terceiro por suas atuações inigualáveis.

Amitava: Você acha que Sinha nunca recebeu o devido reconhecimento - seja em Bengala ou em nível nacional?
Abesh: Honestamente falando: em grande medida, embora não completamente. Eu já lidei com essa questão. Para os filmes mais antigos, Sinha conseguiu algum reconhecimento. Embora as sociedades cinematográficas de então duvidassem daquilo que era popular e ele não tenha sido muito discutido por elas. Mas filmes como Kabuliwala ou Hasuli Baker Upakatha foram aclamados internacionalmente. Muitos de seus filmes como Nirjan Saikate ou Haate Bazarey receberam reconhecimento nacional. Também já falei sobre como o Dr. Bidhan Chandra Roy ficou impressionado com dois jovens, Ray e Sinha. Em relação a esses fatos, ele não pode ser considerado absolutamente negligenciado. Mas certamente era subestimado. Não se discutia sobre ele um quarto do que se falava sobre Ray, Ghatak ou Sen. As sociedades cinematográficas e os críticos de Bengala preferiam um silêncio incomum sobre sua presença. Depois de sua morte – como é de costume – é que estamos falando nele. Ele definitivamente merecia muito mais. No entanto, posso escolher três principais razões por trás do seu destino. Primeiramente, por trabalhar num formato popular, seu nome não foi incluído em discussões sérias. Segundo (e talvez o ponto mais decisivo), pelas políticas, então de esquerda. Terceiro, infelizmente, pelas comparações sempre presentes de seu rico trabalho com o de Satyajit Ray. Isto tornou as coisas difíceis para Tapan Sinha.


Publicado originalmente em: https://learningandcreativity.com/silhouette/tapan-sinha-book/
Tradução: Yuri Ramos



[1] Rabindranath Tagore, polímata indiano de Bengala, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura conhecido por sua produção literária e musical.

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