Carlos Hugo Christensen foi, em relação à “Intrusa”, um
de seus últimos filmes, um obstinado. Conhecedor da obra de Jorge Luís Borges,
seu conterrâneo argentino, participou de um pequeno litígio prévio para
adquirir os direitos do texto e de um posterior a este, com estrangeiros que
estavam interessados em comprá-los de si, para realizar a adaptação no
exterior. Christensen, como sabemos, não os vendeu. Queria fazer este filme.
E o fez, mesmo à
custa dos espinhosos problemas que se decorreram na produção. Os textos abaixo
são extraídos de jornais que alardearam o filme na época da estreia e que dão
conta dos relatos que o artista nos lega sobre as dificuldades da adaptação,
principalmente na reconstrução do cenário dos pampas que remontam o século
retrasado.
O mais impressionante nisto é o rigor que o diretor
empregou nesta reconstrução histórica, que parece acima do comum: chegou a
construir casas inteiras como as do fim dos anos 1890, e com pedras de
edifícios realmente erigidos na época. Para imitar o vento mítico do minuano,
usou dois aviões estrategicamente posicionados.
Além dos relatos de Carlos Hugo Christensen, compilamos
ainda um outro depoimento, de Ubirajara Raffo (que trabalhou em diversos
momentos da produção), que dá conta das dificuldades impostas pelo realismo
pretendido pelo diretor e pelos que lhe auxiliaram. Os testemunhos foram
extraídos do Correio do Povo e do Estado de Minas, ambos do ano de 1980.
***
Entrevista
a Carlos Hugo Christensen
Correio
do Povo, 4 de abril de 1980
“Correio do Povo – A história de ‘A Intrusa’ exerceu
algum fascínio especial sobre você, ou foi apenas uma questão de oportunidade?
Carlos
Hugo Christensen - A chance de levar ao cinema essa pequena obra-prima
representa para mim o mais precioso presente que recebi em toda a minha
carreira. Realizei 'A Intrusa' com toda a paixão que sinto pela obra de Borges,
da qual sou admirador confesso e que conheço profundamente. Aliás, poderei não
vir a ser um grande intérprete de Borges mas, tranquilamente, sei que sou um
dos maiores conhecedores de sua obra. Não me limitei a narrar com imagens o
belo conto, procurei também, sem prejudicar seu ritmo, colocar vários símbolos
que marcam constantemente a literatura de Borges.
CP - A história de 'A
Intrusa' passa-se em 1890, em Uruguaiana, no Sul do país. De lá para cá, muita
coisa deve ter mudado ali. Você encontrou dificuldades na ambientação da
história, por causa disto?
CHC - 'A Intrusa' foi um
filme cheio de problemas, que começaram a surgir desde a época de sua
preparação, no inverno de 78. Durante 60 dias,em Uruguaiana, eu, meu assistente
Francisco Marques e Daniel Carvalho, o chefe da produção, planificamos a futura
filmagem. Como em Uruguaiana,pouco ou quase nada restou das construções do
século passado, foi necessário levantar todos os cenários, para filmar dentro e
fora deles. Escolhidos os lugares, estudados os cenários a serem levantados e
as indumentárias, tarefa de minuciosa pesquisa na qual contamos com a
colaboração valiosa do folclorista e pesquisador Ubirajara Raffo Constant -
que, junto com Orígenes Lessa, colaborou nos diálogos -, tivemos que enfrentar
outros tipos de problemas, como a presença constante de eucaliptos na paisagem.
CP - 'Minuano', temido e
conhecido vento dos pampas, tem presença significativa no conto de Borges.
Aliás, parece ser um dos elementos mais fortes, numa das cenas mais importantes
da história. Como você pôde reproduzi-lo?
CHC - A reprodução do
Minuano, o Destruidor vento dos pampas, significou outro sério obstáculo a
vencer; foi necessário improvisar uma pista de pouso no meio do campo, perto do
cenário principal, para que pudessem pousar dois aviões, sem os quais teria
sido impossível imitar um dos fenômenos mais gaúchos da natureza: o vento
pampeano. E, para mencionar apenas um dos imprevistos, registre-se o fato de
que o rio Uruguai subiu 11 metros, numa época em que as enchentes são raras,
alagando os campos e paralisando as filmagens por 3 semanas. Há uma superstição
do pessoal de cinema que diz que filme que enfrenta problemas durante as
filmagens é sucesso garantido: espero que ‘A Intrusa’ confirme essa crença”.
Ubirajara
Raffo e o problema dos eucaliptos
Estado
de Minas, 24 de agosto de 1980
"'O
mais difícil - diz Ubirajara - foi o cenário da época. Desenhei um rancho de
pedra típico do fim do século passado. Ranchos iguais aos do tempo da história
desapareceram da paisagem Gaúcha. A saída que encontramos foi construir um,
para a qual contamos com o auxílio de Hermes Silva Pinto, que nos forneceu as
pedras de uma mangueira de seus campos, com mais de cento e cinquenta anos. E
assim, pedra por pedra, nasceu o rancho dos irmãos Nielsen. Também foram
construídos o galpão, o poço de água, o forno, um curral, de pau-a-pique e
outras coisas que formavam o cenário de um rancho'.
Problema
ainda maior do que reconstruir um rancho de pedras empilhadas com paredes de 1
m de espessura, foi evitar o enquadramento dos Eucaliptos, árvores alienígenas
que hoje tomam conta das coxilhas.
'Originária
da Austrália, essa árvore não existia no Rio Grande do Sul na época da história
- informa Ubirajara. Novamente Hermes Silva nos socorreu: em seus campos havia
um grupo de umbus - árvore nativa dos Pampas - no alto de uma coxilha. Lá foi
edificado o rancho do Nielsen".
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