A
nossa vida é marcada profundamente por autores e livros ao longo de suas
diversas etapas. Uma determinada literatura deslumbra o fim de nossa infância,
outra toma conta de nossa adolescência e novas manifestações literárias, com
eventuais retornos às anteriores, dominam nossa juventude e maturidade.
No
meu caso, só um autor permaneceu sempre perto de mim no longo período da
adolescência até os dias atuais: Jorge Luís Borges. Na verdade, até hoje o leio
quase diariamente, e quase diariamente descubro novos mundos no seu misterioso
e fascinante universo.
Otto
Maria Carpeaux qualificou a obra do grande escritor argentino como
"fundamental do século XX", acrescentando: "sua influência se
confundirá com a de Kafka", omitindo, ao meu ver, uma diferença de enorme
importância entre os dois escritores: no universo borgiano, mesmo composto de
erudição e metafísica, lateja, no entanto, uma vivência ardente e melancólica.
E, talvez, nenhum outro relato prova tão lucidamente esta última afirmação como
A Intrusa.
A
chance de levar ao cinema essa pequena obra-prima representa para mim o mais
precioso presente que recebi em toda minha carreira. Eu namorava este conto há
muitos anos. Borges recusava-se a permitir a transposição para o cinema com
receio de que se fizesse com ele um filme pornográfico. Quando, finalmente,
decidiu-se autorizar sua filmagem, eu tive o privilégio de ser o escolhido,
apesar das milionárias propostas de vários produtores estrangeiros para compra
dos direitos, muito superior às possibilidades de um produtor brasileiro. Esse
fato tornou ainda maior a minha responsabilidade. É com angústia que aguardo a
hora de enfrentar o público e a crítica. Espero ter mais sorte que os colegas
que me antecederam na temível experiência de filmar Borges. Bernardo Bertolucci
fez “Estratégia da Aranha", baseado no conto "Tema do Traidor e do
Herói", e o resultado foi negativo. Tentativa frustrada repetiu-se na
França e por três vezes na Argentina.
Realizei
A Intrusa com toda paixão que sinto
pela obra do autor e que conheço profundamente. Aliás, posso não vir a ser um
grande intérprete de Borges, mas, tranquilamente, sei que sou um dos maiores
conhecedores de sua obra. Não me limitei a narrar com imagens o belo conto,
procurei também, sem prejudicar seu ritmo, colocar vários símbolos que marcam
constantemente a literatura de Borges.
Tudo
fiz, dentro das minhas possibilidades, para que A Intrusa esteja à altura do original. Mesmo porque o próprio autor
gosta dessa história. No prólogo de seu livro Nova Antologia Pessoal, Borges
escreve: "o tempo, cuja perspicácia crítica tenho ponderado, persiste em
recordar dois textos que me desagradam por sua fatuidade laboriosa: Fundação Mítica de Buenos Aires e o Homem da Esquina Rosada. Se aqui os
inclui é porque o leitor os espera. Quem sabe que obscura virtude haverá neles?
Naturalmente, prefiro ser julgado por Limites, A Intrusa, Golem ou por
Junin."
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