Para
além das dificuldades técnicas enfrentadas na produção, Christensen enfrentou
as mais diversas polêmicas e censuras de todos os lados em relação a seu filme.
A
começar, a exibição foi completamente vetada na Argentina, onde só veio a
estrear anos depois, com grande receptividade da crítica (um pouco ao contrário
do que houve no Brasil, onde muitas opiniões se registraram reativas ou
mornas).
A
“querela Borges”, que envolvia a relutância do autor do conto original em ceder
seus direitos para a adaptação cinematográfica (com medo de que se convertesse
em história pornográfica), acabou durando anos, primeiro com o autor
vangloriando o filme e, mais tarde, em 1984, o rechaçando e dizendo que se
tratava de “infâmia” contra sua história. Curioso, neste ponto, é ressaltar que
Borges era praticamente cego e que, a rigor, nunca vira o filme, nem numa vez,
nem em outra. Ouvira, somente. Na primeira audição, até se emocionou. Na
segunda, odiou.
Para
além disto, sobram ainda intrigas sobre o enredo do filme, taxado por muitos
(e, em algum momento, pelo próprio autor do conto originário) como história de
homossexuais, no que Christensen se defendia arvorando a citação que Borges
faz, em seu escrito, à amizade de David e Jonathan, no Segundo Livro dos Reis,
de que “certas amizades são mais fortes que o amor das mulheres”.
Vejamos
os depoimentos colhidos em jornais da época que dão conta de testemunhar todas
essas problemáticas.
***
Christensen
lembra citação bíblica de Borges
Correio
do Povo, 18 de junho de 1980
Quando
se ouve os depoimentos da atriz Maria Zilda sobre sua personagem em A Intrusa,
a tendência é dar-lhe toda a razão. Tudo muda de figura a partir do momento em
que o diretor do filme, Carlos Hugo Christensen, mostra que o conto de Borges é
precedido por um texto bíblico que Borges recomenda ao leitor e que aparece
transcrito nas cenas iniciais do filme. Trata-se do Versículo 26 do capítulo I
do Segundo Livro dos Reis da Bíblia Católica onde Davi diz: " me aflijo
por ti, Jonathan, irmão meu; carinhoso e encantador foste comigo: teu amor por
mim foi maravilhoso, superior ao de qualquer mulher ". Para Christensen, essa citação adianta ao leitor
de Borges e ao seu espectador que o afeto entre os dois irmãos não precisa ser,
necessariamente, considerado como homossexualidade.
O
diretor de A Intrusa diz que tudo pode se tratar somente de uma amizade
profunda, considerando que "a amizade é tão misteriosa quanto o
amor". Ele adianta quê o conto foi lido por grande parte da população de
Uruguaiana, das quais 40 pessoas estiveram em Gramado para ver o filme.
"Aceitaram sem problemas o conto, onde a mulher aparece como esta 'coisa'
que só serve para cama e cozinha e nada mais. A situação da mulher no fim do
século passado aparece com características selvagens, mas ainda existe, embora
de forma diferente. Em zonas como Uruguaiana, o peão raramente se casa e
mantém-se um solitário até hoje". Uma expressão significativa de A Intrusa
reforça isso: " gaúcho que pensa em uma só mulher por mais de 5 minutos é
maricão ".
Christensen
afirma que, com a adoração que tem pelo que Borges escreve, "jamais
permitiria a deturpação do conto dele". Além disso, como diretor ele não
discute com os atores, deixa claro que o filme é seu e deixa ao intérprete a
possibilidade de aceitar ou recusar apenas.
O
direito de Christensen filmar o conto de Borges foi obtido junto ao próprio
autor, significando sua vitória sobre cinco concorrentes estrangeiros que
também queriam filmar A Intrusa: "Borges temia que transformassem seu
conto em pornografia e preferiu um cineasta latino-americano". De resto,
considera que seu filme, feito sem moralismos, "é de uma violência moral
maior que Os Sete Gatinhos".
Borges
critica a adaptação de conto seu para a tela
O
escritor argentino Jorge Luis Borges criticou duramente a versão
cinematográfica de seu conto "A Intrusa", realizada no Brasil em
1981, por seu compatriota, Carlos Hugo Christensen, a quem acusou de dar um
sentido comercial à obra. Borges qualificou o filme de "infâmia",
pois o diretor transformou a história numa relação homossexual, escamoetando o
sentido do conto. "A Intrusa" conta a história de dois irmão que
viviam no Rio Grande do Sul por volta de 1890. Cristián, o mais velho, traz uma
mulher ao rancho que ambos partilham, enquanto Eduardo faz o mesmo. A mulher
trazida por este, entretanto, permanece ali apenas um dia, pois logo percebe
que deseja a de Cristián. Os dois irmãos dividem então a primeira mulher,
vendendo-a depois a um bordel. A história termina com um duelo entre Cristián e
Eduardo.
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