quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Entrevista com Carlos Hugo Christensen



O Cronista da Cidade Amada
Valério M. de Andrade



Carlos Hugo Christensen está no Brasil há 12 anos. É argentino de nascimento, brasileiro por vocação e carioca de coração.

Já viveu na Europa, Estados Unidos, vários países da América do Sul. Mas foi o Rio de Janeiro que o conquistou de forma absoluta e definitiva. Ao receber o título de Cidadão c
Carioca, afirmou: "Não se pode escolher uma cidade para nascer, mas se pode escolher uma cidade para morrer: já fiz minha escolha".

O fracasso tem sido quase um ausente em sua carreira. Foi no Brasil, tendo o Rio como fonte de inspiração, que Christensen alcançou o clímax de uma longa jornada com sucesso. De sua filmografia, composta de 38 títulos, os últimos 8 foram realizados aqui.

O êxito invulgar obtido por filmes como "Meus Amores no Rio", e "Esse Rio que Amo" dão a Carlos Hugo Christensen a condição de vitorioso no seu diálogo com o público. E um título em nosso cinema – o de cronista da cidade amada.


Duília


A crítica carioca apontou "Viagem aos Seios de Duília" como seu melhor filme feito no Brasil. Como você o encara?

– Devo dizer que concordo com os críticos. Em "Duília" encontrei um dos temas mais difíceis que já enfrentei. Sempre que faço adaptação de uma obra literária para o cinema, procuro ser fiel ao seu espírito. A fidelidade é fundamental: qualquer traição neste sentido deixa de justificar a eleição do tema. O filme deve ser a complementação da obra original. Tenho a certeza de que consegui manter intacto o espírito do conto de Aníbal Machado em "Duília".


Cidade Amada


Em seu próximo filme, “Crônica da Cidade Amada”, você voltará a focalizar o Rio de Janeiro. O que lhe leva a filmar mais uma vez no Rio?

  Antes de mais nada: o tema é extremamente grato para mim. Há doze anos, quando aqui cheguei, atravessava um período difícil da minha vida: Perseguido pelo peronismo, fui obrigado a deixar a Argentina e tive de recomeçar minha vida profissional numa cidade estranha. Entretanto, em nenhum outro lugar senti tanta alegria de viver e estive tão perto daquilo que achamos ser a felicidade, como no Rio.


Oscarito


O nome de Oscarito consta no elenco de “Crônica da Cidade Amada". O que o levou a reeditar seu nome?

– Sempre considerei Oscarito um ator – um excelente ator – e não apenas um cômico sem consequências. Se ele fez muitos filmes de padrão inferior, a culpa não era sua: cabe aos diretores e ao regime de produção vigente na época. Acredito que Oscarito, num filme que esteja pelo menos à altura de suas qualidades, voltará a ser a grande atração que sempre foi para o público.


Público e Comunicação


Muito se tem falado no problema do autor de filmes com público. Você se sente entre aqueles que tem este poder de comunicação?

– Se o poder de comunicação entre o cineasta e o público é medido pelo sucesso dos filmes, posso dizer que na maioria dos meus filmes ouve o diálogo com o público. Poucas vezes fiquei limitado ao monólogo.


Cinema e Cultura


O cinema é um veículo válido para a formação cultural de um povo?

– Acho o veículo mais poderoso que existe. Em virtude dos problemas industriais, o cinema não tem cumprido como devia a sua missão cultural. Acho que o governo deveria estimular e ajudar os homens que querem fazer essa contribuição cultural.


Cinema Mundial



Qual o melhor cinema da atualidade e por que?

– O italiano. É o cinema mais preocupado com os problemas do homem moderno. E também o mais profundo, brilhante e rico de ideias. Na Itália encontram-se diretores e cenaristas da atualidade. Uma equipe formidável que derrota os valores individuais de outros cinemas.

“Cinema Novo"


Como situa o “Cinema Novo”?

– Em primeiro lugar, não creio que haja realmente novo cinema no Brasil. Os membros –deste movimento agrupados sob o sugestivo rótulo de cinema novo – estão apenas fazendo o que sempre deveria ter sido feito: filmes de méritos artísticos. O que se verificou foi o súbito progresso em relação ao baixo padrão das chanchadas, e o advento de uma maior preocupação para com os problemas sociais do Brasil. Entretanto, muito antes, do nascimento do "cinema novo", já havíamos produzido filmes do valor de "O Cangaceiro" – obra muito superior a quase totalidade dos títulos batizados sobre o nome de "cinema novo".


O Grande Problema


Quais são as razões da atual retração do público em relação ao cinema brasileiro?

– Nos últimos tempos tem sido exibido filmes desprovidos da menor preocupação artística e sem qualquer atração popular. São fitas de amadores, elaboradas sob o signo da improvisação e da displicência, que não deveria ter saído das prateleiras. Filmes de méritos – como Vidas Secas – foram soterrados pela avalanche dos subfilmes. Em consequência – após sucessivas decepções – o público tornou-se extremamente cauteloso e descrente. O nosso problema, no momento, é reconquistar a confiança do público através de bons filmes. Independente disso, ainda tem muita gente que não vê um filme brasileiro, pelo simples fato de ser brasileiro. E não é fácil acabar com esses vestígios de uma mentalidade ainda colonial.



Futuro



Como vê o futuro para o cinema brasileiro?

– Um futuro maior do que os mais otimistas posso imaginar. Agora mesmo, com todos os seus altos e baixos considero o cinema brasileiro o mais importante e, sob diversos aspectos, superior à Argentina e México. O cinema brasileiro tem enormes reservas;  homens de talento à espera de uma hora propícia; uma literatura rica e quase virgem; uma enorme variedade de tema; bons atores; e um povo que, a exemplo do italiano, tem uma intuição primitiva para representar. É talvez o único cinema do mundo que consegue ainda o milagre de produzir filmes sem ajuda e proteção governamental. O cinema brasileiro tem uma personalidade definida. Enquanto os cinemas argentino e mexicano filmam com frequência obras estrangeiras, não consigo lembrar um filme brasileiro que tenha sido adaptado de livro ou peça estrangeira. Diante de tudo isso, não posso deixar de crer no futuro do nosso cinema.

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